Fiocruz Minas e COC realizam seminário sobre trajetória de mulheres na medicina tropical

As Mulheres na Medicina Tropical foi tema de um seminário, realizado entre os dias 12 e 14 de março, no auditório da Fiocruz Minas. O evento é uma iniciativa do projeto de pesquisa Proep II COC/CNPq “As mulheres e os processos de institucionalização da Medicina Tropical: trajetórias, práticas e profissionalização no Brasil (1940-1999)”, desenvolvido por meio de parceria entre o Instituto René Rachou e a Casa de Oswaldo Cruz (COC), sob coordenação das pesquisadoras Denise Nacif Pimenta e Polyana Aparecida Valente (IRR) e do pesquisador Luiz Otávio Ferreira (COC). Abrindo as atividades, o diretor da Fiocruz Minas, Roberto Sena Rocha, destacou os avanços obtidos em relação à presença feminina na área de medicina tropical e na pesquisa.

“Se antes contavam-se nos dedos o número de mulheres atuando na medicina tropical, hoje, elas já são maioria. E, também, nas chefias de grupos de pesquisa, houve uma transformação significativa. Aqui no IRR, 50% das lideranças de grupo são ocupadas por mulheres e já tivemos uma diretora. No IRR, estamos mudando a história”, afirmou.

A pesquisadora Polyana Valente enfatizou que o seminário marca o encerramento do projeto, que se propôs compreender a inserção e a profissionalização das mulheres no campo das doenças tropicais. “Durante o projeto, buscamos formar uma grande rede de pesquisa para construir narrativas sobre a presença das mulheres na pesquisa. Neste evento, queremos publicizar os resultados e compartilhar com outras pessoas essas trajetórias”, disse. A pesquisadora também destacou o apoio da direção do IRR e da COC para a realização do seminário e agradeceu o pesquisador Jaime Benchimol, da COC, por aceitar o convite para palestrar na mesa de abertura.

Palestra- O pesquisador Jaime Benchimol mostrou como se deu o início da medicina tropical no Brasil, destacando que, inicialmente, as mulheres eram invisíveis nesse campo de conhecimento. Os primeiros registros da presença feminina, segundo o pesquisador, fazem menção a mulheres acompanhando seus maridos no exercício de atividades científicas e àquelas que exerciam o ofício de parteiras.

Apresentando um contexto histórico da medicina tropical, Benchimol citou algumas personalidades femininas que foram precursoras na tarefa de ocupar um espaço até então dominado por homens, como Maria Augusta Generoso Estrela, a primeira médica brasileira, diplomada em 1881, pela New York Medical College and Hospital for Women, nos Estados Unidos.  Conforme o pesquisador, nesse mesmo ano, Ambrosina de Magalhães se tornava a primeira mulher a ingressar em uma faculdade de medicina no Brasil e, em 1887, e Rita Lobato foi a primeira a ser diplomada como médica em território brasileiro.

Outra importante personagem, segundo Benchimol, foi a francesa Marie Josephine Mathilde Durocher, conhecida como Madame Durocher, a primeira mulher a ser admitida na Academia Imperial de Medicina, em 1871. Naturalizada brasileira, ela já havia rompido barreiras, em 1832, ao se tornar a primeira e única mulher do curso de partos da Faculdade de Medicina, recém-criada no Rio de Janeiro.

Já a primeira mulher associada à Medicina Tropical, de acordo com Benchimol, foi a inglesa Florence Nightingale, pioneira no tratamento de feridos em batalhas, atuando fortemente na Guerra da Crimeia. Florence fundou a primeira escola de enfermagem da Inglaterra e fez reformas radicais nos hospitais em que atuou.

Outro nome que marca o início da enfermagem e da medicina tropical, segundo o pesquisador, é o de Amy Fowler, inglesa que, após formar-se em Londres, atuou como enfermeira voluntária em uma instituição que cuidava de pacientes com lepra em Molokay, uma ilha situada no Havaí. Foi lá que ela conheceu o médico brasileiro Adolpho Lutz, com quem teve um filho e uma filha, Bertha Lutz, que foi também personalidade relevante não apenas por conquistar espaço na área científica, mas por ter uma forte atuação na defesa dos direitos das mulheres. Segundo Benchimol, Bertha trabalhou auxiliando o pai durante muitos anos e, após a morte dele, se tornou a principal responsável pela preservação da memória do cientista. Além disso, foi secretária e pesquisadora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, sendo a segunda mulher a fazer parte do serviço público do país. Bertha também liderou a luta pelos direitos políticos das brasileiras.

Benchimol citou ainda outras personalidades femininas que desempenharam papel relevante no enfrentamento das doenças tropicais, como Agnes Chagas, Maria Deane, Ruth Sonntag, que, assim como Amy Fowler, foram casadas com cientistas importantes.

Também destaque na apresentação de Benchimol foi a pesquisadora Alda Lima Falcão, que começou sua carreira científica no fim da década de 1930, no Serviço Nacional de Malária do Nordeste, chefiado por Maria Deane, mas se mudaria para Belo Horizonte na década seguinte, ingressando no IRR em 1956. Segundo o pesquisador, na Fiocruz Minas, entre outros feitos, Alda participou da criação do Laboratório de Leishmanioses, deu aulas de taxonomia e foi a responsável pelo treino e capacitação de alunos e profissionais de várias regiões do Brasil. Além disso, em parceria com Amílcar Martins, criou a Coleção de Flebotomíneos do IRR.

Segundo Benchimol, entre os anos de 1970 e 1980, ocorreu um aumento significativo do ingresso das mulheres na medicina tropical e nas ciências em geral. “A meu ver, isso se deve a profundas transformações sociais, culturais e ideológicas, ocorridas por força dos movimentos que sacudiram a ordem burguesa e patriarcal a partir dos anos 1960, e também se deve ao fortalecimento das instituições de ensino e pesquisa, à criação do CNPQ e da Capes, nos anos 1950, e, muito importante, à expansão das pós-graduações após a reforma universitária de 1968”, disse o pesquisador, finalizando sua apresentação.

Trabalhos- Durante os três dias de atividades, o seminário contou com uma extensa programação que incluiu a apresentação de resultados de pesquisas realizadas por meio do projeto.  Foram apresentados os seguintes trabalhos: Trajetórias na enfermagem de saúde pública e as interfaces entre a educação sanitária, as instituições e a medicina tropical no Brasil (1940-1980), por Bráulio Chaves (CEFET/MG e Fiocruz Minas); Enfermeiras e doenças tropicais no Brasil: o programa SESP de enfermagem e a assistência aos doentes, por Luiz Otávio Ferreira (COC) e Ricardo Batista (PPGH/UNEB/Alagoinhas); Aproximações e afastamentos entre a Fundação Rockefeller e a Medicina Tropical: as mulheres e os modos de conhecer, por Paloma Porto (SEDEC-JP/PB.); As mulheres e a medicina tropical no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, por Rita de Cássia Marques (UFMG) e Ana Carolina Vimieiro Gomes (UFMG); As condições institucionais para a profissionalização de mulheres nas atividades de pesquisa no campo da medicina tropical nos anos 1950-60, por Nara Azevedo (COC) e Daiane Rossi (UFN e COC/Fiocruz); e Arquivos, tecnologias e métodos: construindo narrativas sobre mulheres no campo da medicina tropical no Brasil (1940-1980). As interfaces com a divulgação científica, por Polyana Aparecida Valente (UEMG e Fiocruz Minas) e Jonathan de Paula (UEMG).

A trajetória de vida das pesquisadoras da Fiocruz Minas Ana Rabelo e Lileia Dioutaiuti também foram destaque no seminário. As cientistas participaram de uma entrevista, conduzida por Carol Vimieiro (UFMG) e Juniele Rabelo (UFF), em que puderam compartilhar suas experiências e memórias, possibilitando ao público conhecer não somente suas histórias, mas também a da medicina tropical no Brasil.

No último dia de seminário, encerrando as atividades, a pesquisadora Ana María Carrillo, do Departamento da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional Autônoma do México, ministrou a palestra El Instituto de Salubridad y Enfermedades Tropicales (de México): 1939-1989, y la participación de sus investigadoras [Instituto de Saúde e Doenças Tropicais (do México): 1939-1989, e a participação de seus pesquisadores]. Carrillo fez uma apresentação muito cuidadosa sobre as trajetórias de mulheres nesse instituto, tecendo interseccções e comparações com o caso brasileiro. A pesquisadora lançou, também, um olhar crítico sobre os contextos sociais, políticos e econômicos do México, que influenciaram na invisibilidade das mulheres, mas não da ausência delas, mostrando casos de pesquisadoras mexicanas que tiveram papel destacado nos variados campos da medicina tropical, alcançando, inclusive chefias de departamento.

Ainda dentro da programação do evento, houve lançamentos de livros publicados pela equipe de pesquisadores que compõe e o projeto, além de uma reunião com o Núcleo de Apoio a Internacionalização do IRR, com a participação de Ana María Carrillo, em que aventou-se a possibilidade de parcerias e intercâmbios entre pesquisadores e estudantes do Instituto René Rachou e a Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).

Em breve, será lançado um livro sobre os resultados de pesquisas apresentadas durante o evento.