Uma pesquisa da Fiocruz Minas revelou que despesas com transporte e alimentação de pacientes em tratamento da leishmaniose tegumentar podem pesar significativamente no orçamento das famílias, especialmente entre aquelas com baixa renda. Os resultados, publicados na revista científica Plos Neglected Tropical Diseases, lançam luz sobre uma dimensão pouco explorada em estudos sobre doenças negligenciadas e busca oferecer dados para decisões mais equitativas no campo da saúde pública.
“Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) cubra integralmente o diagnóstico e o fornecimento dos medicamentos, a estrutura de atendimento nem sempre está disponível em todas as regiões do estado, o que força muitos pacientes a se deslocarem até centros de referência, como a Fiocruz Minas. Isso gera alguns gastos extras, pesando no orçamento de algumas famílias”, explica a pesquisadora Sarah Nascimento, coordenadora do estudo.
O levantamento, realizado com usuários do ambulatório da Fiocruz Minas vindos de diversas regiões do estado, mapeou os chamados gastos out of pocket, ou seja, desembolsos que os pacientes fazem do próprio bolso. A pesquisa avaliou os gastos diretos, como transporte, alimentação e hospedagem; e indiretos, que incluem dias de trabalho perdidos e necessidade de cuidadores. A análise considerou um ciclo completo de tratamento, que pode durar de 10 a 30 dias.
De acordo com as análises, o custo médio por paciente foi de US$ 117,36 em despesas diretas (cerca de R$568,19) e de US$ 160,12 (cerca de R$775,17) em custos indiretos, para o ano base de 2023. Para pacientes com renda de até dois salários-mínimos, como era o caso de 76,5% dos participantes, esses valores representaram um peso financeiro expressivo.
“Embora os valores médios de gastos identificados possam parecer pequenos em termos absolutos, eles têm potencial para inviabilizar o tratamento entre os mais vulneráveis. Às vezes, o paciente diz que tem dificuldade de voltar no serviço porque não tem mais recursos, mostrando o quanto é urgente considerar esses aspectos na formulação de políticas públicas”, destaca a pesquisadora.
Os dados mostraram que não houve diferença significativa entre os gastos de pacientes do interior e da região metropolitana. Mesmo quem vive nos arredores de Belo Horizonte tem despesas com transporte e alimentação que, dependendo da situação econômica, podem se tornar barreiras à continuidade do tratamento.
A perda de produtividade foi um fator de impacto importante. Como a leishmaniose atinge frequentemente pessoas que trabalham no campo, em geral trabalhadores autônomos, que recebem por produção, a impossibilidade de trabalhar durante o tratamento agrava ainda mais a situação financeira.
O estudo supre uma lacuna de informação, já que, nas últimas décadas, as pesquisas de avaliação de tecnologias em saúde se concentraram em outros desfechos, como efetividade dos tratamentos e os custos para o sistema de saúde. Mas, conforme a pesquisadora, mais recentemente, cresceu a demanda por incorporar também a perspectiva dos pacientes nesse processo de decisão.
“Os resultados reforçam a necessidade de olhar para além do fornecimento de medicamentos. Sabemos que a garantia gratuita ao tratamento pelo SUS é uma ação estratégica e fundamental para eliminação da doença no país, um avanço frente a outros países sem sistemas públicos de saúde. Aprimorar este serviço inclui outros aspectos que podem afetar o acesso, como a maneira em que a rede está estruturada. Precisamos garantir que a assistência completa ao tratamento esteja acessível nos locais onde a doença é mais prevalente”, afirma.
Este é o primeiro estudo de custos voltado para captar a perspectiva dos pacientes com leishmaniose no Brasil e, segundo a pesquisadora, deve abrir caminho para novos levantamentos em outros contextos. “É um dado primário, que precisa ser revalidado em outras populações. Mas já representa um grande ganho por trazer à tona uma informação que pode qualificar a tomada de decisão em saúde”, diz a pesquisadora.
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