Ricardo Tostes Gazzinelli

Ricardo Gazzinelli. Foto: UFMG

 

Ricardo Tostes Gazzinelli vem de uma família de tradição científica. Sua mãe, Alzira Maria G. Tostes Gazzinelli foi professora do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Minas Gerais. Seu pai, Ramayana Gazzinelli, era físico, professor na mesma universidade, atuando na área de física experimental. Além disso, dois dos seus tios também trabalharam com pesquisa, Giovanni Gazzinelli, professor de Bioquímica da UFMG e cientista da Fiocruz Minas, e Paulo Gazzinelli, que foi o primeiro diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG).

Em razão das viagens de estudo do pai, Ricardo Gazzinelli nasceu em Nova York, nos Estados Unidos, em um período de estadia da família nesse país.[1] De volta ao Brasil, ele seguiu seus estudos e cursou Veterinária na UFMG, formando-se em 1985. Ainda na graduação realizou Iniciação Científica na área de Nutrição Animal e interessou-se, mais especificamente, pelo campo da imunologia, influenciado, como ele mesmo admite, pela trajetória dos seus familiares. A partir de então ingressou no mestrado no Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da universidade, porém, antes da conclusão ele foi diretamente encaminhado para o doutorado, sob orientação conjunta de Giovanni Gazzineli e Zigman Brener. A parte experimental da sua pesquisa era realizada no Instituto René Rachou (IRR), tendo em vista a histórica ligação entre a UFMG e o IRR, que permitia esse tipo de intercâmbio.

Segundo Ricardo, a área da Imunologia se fortaleceu no Brasil em razão da importância do tema para o entendimento das doenças tropicais (leishmaniose, Chagas, esquistossomose, malária), atraindo investimento de organizações públicas e internacionais, além de contar com profissionais renomados no país. No doutorado o pesquisador entrecruzou os campos da imunologia e parasitologia, em estudo intitulado Patologia da Doença de Chagas: Atividade efetora e reguladora de anticorpos anti-Trypanosoma cruzi. Após a defesa da tese, em 1989, ele foi para os Estados Unidos a fim de realizar investigações no laboratório de doenças parasitárias do National Institute of Allergy and Infectious Diseases, trabalhando principalmente com Toxoplasmose. Esse agravo era uma doença oportunista no contexto da epidemia de AIDS, sendo importante estudar os mecanismos de imunidade relativos à condição.

De volta ao Brasil, o cientista passou em concurso público para professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB/UFMG, em 1995. Pouco tempo depois, no ano de 1997, foi aprovado no concurso de Professor Titular. Segundo Ricardo Gazzinelli, mesmo após seu ingresso na universidade ele continuou realizando pesquisas laboratoriais no IRR, em razão da melhor estrutura e financiamento, dividindo laboratório com Zigman Brener. No ano de 2002 ele ingressou por concurso nos quadros da Fiocruz Minas, liderando hoje em dia o grupo de pesquisa em Imunopatologia. Segundo Ricardo as condições de pesquisa melhoraram muito, antigamente nem todos os insumos eram descartáveis, sendo necessário reaproveitar materiais. Atualmente os equipamentos também são mais sofisticados e os recursos acessíveis.

No Brasil, o pesquisador continuou os estudos que desenvolveu nos EUA, sobre a interação de patógenos com o sistema imune e a ação dos receptores da imunidade, fatores importantes para o funcionamento de vacinas. No ano de 2002 atuou na criação da Rede Mineira de Biomoléculas, que “apoia projetos de pesquisas nas áreas de genômica funcional, proteoma e estudos sobre estrutura e função de biomoléculas”.[2] Em seguida, desenvolveu, juntamente com a cientista Ana Paula Salles Moura Fernandes,[3] o imunizante a Leish-Tech, vacina veterinária inteiramente desenvolvida no Brasil pela UFMG, contra a leishmaniose visceral canina. Esse imunizante pioneiro, comercializado a partir de 2008, possui tecnologia de DNA recombinante por meio do uso da proteína A2, capaz de induzir resposta imune celular, não provocando reatividade em testes sorológicos.

Em 2008, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) investiu na formação de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, de modo a fomentar pesquisas e cooperação científica em diversas áreas. Ricardo Gazzinelli era coordenador, no Instituto René Rachou, de um desses Institutos. Porém, para o projeto evoluir era necessário encontrar um espaço mais bem adaptado para as atividades. A questão foi resolvida em 2016, quando a UFMG abriu edital e contemplou o Projeto com um laboratório no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), próximo ao campus Pampulha. Essa unidade de pesquisa foi expandida e reformulada como CT-Vacinas, fruto de parceria entre a UFMG e a Fiocruz Minas. Ali se desenvolvem “novas tecnologias ligadas à produção de kits de diagnóstico e vacinas contra doenças humanas e veterinárias”. O CT-Vacinas é coordenado por Ricardo Gazzinelli e conta com equipe multidisciplinar em Comitês Gestores e Laboratórios.[4]

                Em razão da pandemia de Covid-19 iniciou-se corrida, em 2020, pela busca de imunizante contra a doença. A equipe do CT-Vacinas recorreu ao modelo da Leish-Tech como inspiração para um possível imunizante para a Covid-19. Foi desenvolvida uma proteína conservada do vírus SARS-CoV2, a SpiN, que ligada ao núcleo do vírus apresentou boa resposta nos testes realizados, principalmente diante das variantes. Trata-se de um modelo inovador, que está sendo desenvolvido pela equipe de Ricardo Gazzinelli, em fase final de testes e avaliação. Sendo aprovada essa vacina, chamada Spin-Tech, seria o primeiro imunizante para humanos 100% nacional, em todas as fases.  

            Segundo o pesquisador, os bons resultados até então alcançados se devem bastante às parcerias existentes entre a UFMG e o IRR, que criaram maneiras práticas e desburocratizadas de fazer ciência em rede. Ricardo Gazzinelli é um cientista incansável, que acredita no potencial das pesquisas nacionais e na capacidade dos profissionais brasileiros. Sua trajetória acadêmica é voltada para o desenvolvimento da ciência nacional, em apoio às questões de saúde pública que impactam a população brasileira.

 

[1] GAZZINELLI, Ricardo. Entrevista concedida à historiadora Natascha Ostos – Projeto Memória: trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou. Gravação de áudio. Belo Horizonte – Fiocruz Minas, 02/01/2024.

[2] FIOCRUZ MINAS. Redes de Pesquisa. Disponível em: <https://www.cpqrr.fiocruz.br/datavis/rede_dtl.php?id=7>.

[3] Ana Paula Fernandes é bióloga, pesquisadora 1A do CNPq e Professora Titular da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais. 

[4] CT-Vacinas. Disponível em: <https://www.ctvacinas.ufmg.br/equipe/>.