Um estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz Minas, em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde do Tocantins e o Instituto Gulich de Altos Estudos Espaciais (Argentina), mostrou que é possível prever a frequência com que os triatomíneos –popularmente conhecidos como barbeiros e transmissores do parasita que causa a doença de Chagas-, invadem ambientes domiciliares. A pesquisa utilizou dados gerados pela Vigilância Entomológica do estado e uma série de variáveis ambientais, socioeconômicas e demográficas, que poderiam influenciar na entrada dos insetos dentro das casas. Dessa forma, foram elaborados modelos estatísticos capazes de predizer o número de invasões em cada um dos municípios do Tocantins.
Os pesquisadores usaram os registros de insetos capturados nas casas no período de 2005 a 2013. Cerca de 11 mil triatomíneos foram coletados ao longo desses anos. A pesquisa se concentrou nas quatro espécies mais comuns:
Rhodnius pictipes , R. robustus, R. neglectus e Panstrongylus geniculatus. As análises indicaram que a frequência de invasão das domicílios por esses quatro vetores silvestres é influenciada por fatores climáticos, degradação ambiental e tipo de bioma. Finalmente, a equipe da pesquisa comparou as predições dos modelos (quantos barbeiros de cada uma das quatro espécies deveriam ser encontrados invadindo casas em cada município) com o que de fato aconteceu no período entre 2014 e 2016. As diferenças entre as predições dos modelos e esses dados independentes foram geralmente pequenas: abaixo de 5 barbeiros em 84% dos 139 municípios do estado e abaixo de 10 em 124 desses municípios.
“A pesquisa sugere que a frequência com que os barbeiros invadem as casas depende, até certo ponto, de fatores ambientais relativamente fáceis de medir, como o uso da terra, o desmatamento, a chuva ou a temperatura. Usando essas variáveis, os modelos fizeram predições bastante satisfatórias sobre o que aconteceria no futuro em quase todos os municípios estudados. Isso nos faz pensar que, com alguns refinamentos, talvez possamos estender a abordagem para realizar predições não só no tempo, mas também no espaço”, ”, explica o pesquisador da Fiocruz Minas Fernando Abad Franch, que liderou o estudo. Segundo ele, o objetivo seria mapear o risco de invasão em municípios que não têm sistemas atuantes de vigilância, mas para os quais os dados ambientais e socioeconômicos/demográficos que “alimentam” os modelos estão disponíveis.
A pesquisa amplia o conhecimento acerca desse fenômeno ainda pouco estudado da invasão de casas pelos triatomíneos. A questão vem ganhando cada vez mais relevância, já que, mesmo sem formar colônia, os insetos estão transmitindo o
Trypanosoma cruzi, parasito causador da doença. A compreensão mais aprofundada poderá contribuir para o desenvolvimento de ações, nos casos em que os vetores de colonização estiverem ausentes.
“A principal medida de combate ao vetor – a aplicação de inseticidas nas casas – é eficaz contra os insetos colonizadores. Entretanto, quando se trata de barbeiros invasores, os inseticidas não parecem ser uma opção adequada. No fim das contas, eles são produtos tóxicos, e, pelo que sabemos, não impedem a entrada dos vetores nas casas”, afirma o pesquisador. Segundo ele, hoje, no Tocantins, a medida é adotada quando há sinais de colonização (ovos ou crias nas casas ou seus anexos) e quando se constata que um barbeiro invasor está infectado com
T. cruzi. Neste caso, os moradores da casa são também examinados para diagnosticar possíveis infecções.
Concluído no primeiro semestre deste ano, o estudo foi publicado recentemente na revista PLOS Neglected Tropical Diseases. A pesquisa é fruto da dissertação do mestrado de Raíssa Brito, aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Fiocruz Minas. Todo o trabalho contou com o apoio da Superintendência de Vigilância e Proteção à Saúde no estado do Tocantins, com atenção especial da coordenadora Anália Fagundes Gomes.
“O estudo foi possível porque o estado do Tocantins dispõe de um serviço de vigilância da doença de Chagas (e seus vetores) muito bem estruturado e que gera dados confiáveis. Foram essas informações que possibilitaram ajustar os modelos estatísticos que, no futuro, poderão ser usados para prever o risco em locais onde não há serviços de vigilância bem estruturados”, explica Raíssa.
O pesquisador Fernando Abad destaca a importância da parceria entre os diversos entes que integram o Sistema Único de Saúde. “É a Fiocruz cumprindo sua missão institucional de fortalecer o SUS desde a perspectiva da pesquisa. Trata-se de um esforço conjunto, feito com o SUS, para o SUS”, ressalta.
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