Por Maíra Menezes/ Instituto Oswaldo Cruz
Durante a pandemia de H1N1, em 2009, pacientes com baixa imunidade estiveram entre os casos mais graves da doença, com alta mortalidade em todo o mundo. No entanto, muitos portadores de HIV apresentaram sintomas leves da infecção. Publicado nesta segunda-feira, 30 de junho, na revista científica PLOS ONE, um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) acaba de apontar um dos mecanismos envolvidos nesta aparente contradição: a presença do vírus da Aids faz com que o sistema imune dos pacientes apresente uma resposta que restringe a multiplicação do vírus Influenza H1N1, causador da Gripe A.
“A pesquisa começou ainda durante a pandemia. Diversos grupos de risco, como pacientes com câncer e transplantados, eram afetados de forma mais grave pelo H1N1, enquanto, surpreendentemente, os indivíduos com HIV tinham desfechos clínicos similares aos da população em geral. Decidimos investigar as bases moleculares para esse fenômeno e conseguimos demonstrar pelo menos um dos mecanismos envolvidos nessa evolução diferenciada da doença”, afirma o autor principal do estudo, Thiago Moreno, pesquisador do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC.
Reação cruzada
Na tentativa de combater o vírus da Aids, o organismo dos pacientes soropositivos mantém alguns mecanismos de defesa constantemente ativados. A pesquisa identificou o aumento na produção de uma proteína capaz de bloquear a multiplicação do H1N1. A molécula IFITM3 impede que o material genético do vírus da Gripe A seja liberado no interior das células e assim interrompe seu ciclo de replicação. “O HIV consegue sobrepujar a reação do organismo e manter a sua replicação. Mas observamos que a resposta imune inata, que é cronicamente mantida contra o vírus da Aids, pode prevenir contra uma outra infecção”, diz o virologista.
O pesquisador explica que o HIV e o H1N1 podem ‘conviver’ no aparelho respiratório. Quando ocorre a gripe, aumenta o número de células de defesa no pulmão. Entre elas, são encontrados macrófagos, que carregam o HIV e também podem ser infectados pelo H1N1. Além disso, partículas do vírus da Aids e subprodutos dele atingem a superfície do epitélio pulmonar, onde ocorre a multiplicação dos vírus da gripe.
O estudo apontou que o contato de uma única molécula da superfície do HIV – a proteína gp120 – com as células infectadas pelo H1N1 já é suficiente para bloquear o ciclo de replicação deste último vírus. Além disso, a infecção simultânea pelos dois patógenos reduz a liberação de substâncias envolvidas na resposta inflamatória exacerbada, que causa o agravamento de quadros de gripe.“Ao infectar os macrófagos, o Influenza pode induzir uma reação exagerada do sistema imune, que é danosa para o organismo. Mas nas células já infectadas pelo HIV, a capacidade de o vírus da gripe induzir a resposta pró-inflamatória é reduzida”, esclarece Thiago.
Os fenômenos observados em ensaios in vitro – realizados em culturas de células – foram confirmados em análises de amostras do trato respiratório de pacientes, o que, segundo o virologista, reforça a consistência dos resultados. O estudo foi realizado por pesquisadores do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo em parceria com cientistas do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo do IOC.
De acordo com o pesquisador, os resultados abrem portas para buscar novos tratamentos da gripe. “Terapias capazes de disparar o mesmo mecanismo de restrição do Influenza desencadeado pelo HIV poderiam ser bem sucedidas”, ressalta Thiago, adiantando que pesquisas nesse sentido devem ser realizadas em breve. “A proteína que inibe a replicação do H1N1 também é um fator de restrição para outros patógenos, como os vírus da dengue e da febre do Oeste do Nilo. Portanto, há também a possibilidade de estudar outras viroses no contexto de coinfecção com o HIV ”, acrescenta.
Fonte: