Agenda 2030: estudo avalia se indicadores de saúde que mostram desempenho dos países estão alinhados à proposta global

Teve início, na última segunda-feira (8/7), em Nova Iorque, o Fórum Político de Alto Nível, evento que reúne autoridades mundiais para avaliar o avanço dos países no cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que compõem a Agenda 2030. O desempenho das nações é avaliado por meio de um documento chamado Relatório Nacional Voluntário (RNV), composto por uma série de indicadores propostos pela ONU, que integram um quadro oficial global. Mas, devido às diferentes realidades, ao relatar sua performance, cada país pode fazer adaptações nas métricas propostas. Na prática, isso significa que muitos indicadores podem não ser mencionados, além de passarem por ajustes que os distanciem do resultado que se pretende mensurar. Por isso, um grupo de pesquisadores da Fiocruz Minas se debruçou sobre os indicadores relacionados à saúde que vêm sendo apresentados nos relatórios, para verificar se eles estão alinhados aos que foram propostos no quadro oficial. A ideia é promover uma compreensão crítica de como esses indicadores estão funcionando e qual a eficácia deles no avanço do desenvolvimento sustentável global.

“O RNV é único instrumento de responsabilização vinculado à Agenda 2030 que permite avaliar como está a implementação dessa agenda, verificando os esforços de mobilização que estão ocorrendo nos países, de forma a garantir o cumprimento dos ODS.  O documento tem por objetivo possibilitar a comparabilidade dos avanços de forma a se compreender a posição de cada país dentro de um panorama global, além de promover o compartilhamento das ações realizadas. Assim, nosso estudo buscou entender quais assuntos relacionados à saúde estão sendo priorizados pelos países ao serem apresentados nos relatórios, além de ter uma percepção das ausências, verificando quais temas estão sendo ignorados e caindo até mesmo num certo ostracismo. O objetivo foi fazer uma análise conjuntural, e não uma avaliação da performance dos países”, explica a pesquisadora Ana Luisa Jorge Martins, do grupo de Políticas de Saúde e Proteção Social.

Os RNVs são apresentados anualmente desde 2016, um ano após os 193 Estados-membro da ONU aderirem à Agenda 2030. Para possibilitar um aprofundamento das discussões, o número de apresentações é limitado, sendo, atualmente, cerca de 45. O estudo da Fiocruz Minas analisou os relatórios apresentados no período de 2016 a 2020, um total de 195. Foram analisados 60 indicadores relacionados à saúde, incluindo não somente aqueles vinculados ao ODS 3- Saúde e Bem-estar-, mas também a outros objetivos que tenham relação estreita com a saúde, como, por exemplo, ao ODS 6- Água Potável e Saneamento. Para validar essa lista de indicadores mais abrangente, os pesquisadores se basearam em listas de indicadores elaboradas por instituições internacionais reconhecidas, como Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Banco Mundial, Carga Global de Doenças e Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável.

Seguindo uma classificação adotada pela OMS, os 60 indicadores relacionados à saúde foram agrupados em sete temas: saúde reprodutiva e materna; saúde neonatal e infantil; doenças infecciosas; doenças não transmissíveis; lesões e violência; riscos ambientais; cobertura universal de saúde e sistemas de saúde. Uma oitava categoria denominada Outros foi introduzida para acomodar indicadores não incluídos na classificação da OMS, mas listados pelas demais instituições de saúde proeminentes. Além disso, com dados do Banco Mundial, os pesquisadores também incorporaram uma classificação de rendimentos dos países, visando correlacionar padrões presentes nos relatórios com a renda.

A partir dessas definições, os pesquisadores analisaram a frequência dos indicadores nos RNVs, verificando os que aparecem e os que estão ausentes, e também a consistência deles, ou seja, se a descrição do indicador coincide com a que foi proposta no quadro oficial global ou se o indicador passou por alguma adaptação, sendo, portanto, uma métrica aproximada.

Resultados- As análises mostraram que a frequência geral dos indicadores relacionados à saúde nos RNVs foi de 28,7%. Ou seja, em média, apenas um terço dos 60 indicadores são apresentados nos relatórios. Por outro lado, no que se refere à consistência, 76% de indicadores estão de acordo com o quadro oficial global.  Entretanto, os pesquisadores alertam que é prudente abordar esse percentual com cautela, uma vez que, dentro de cada grupo temático, foram detectadas variações consideráveis tanto na frequência como na consistência.

O estudo também apontou que, ao longo do tempo, houve um aumento na frequência dos indicadores de saúde. Entre 2016 e 2018, a frequência média foi de 22,3%, enquanto a média de 2019 e 2020 foi de 37,5%. Mesmo com esse crescimento, os pesquisadores ressaltam que a frequência ainda é baixa. Já em relação à consistência, não houve aumento significativo entre esses dois períodos, que variou de 75,6%, entre 2016 e 2018, para 76,3%, em 2019 e 2020.

Os grupos temáticos que aparecem com mais frequência nos relatórios foram saúde neonatal e infantil, com 49,2% de presença; doenças infecciosas, com 38,2%; e saúde reprodutiva e materna, com 37,2%. Já o grupo temático menos frequentemente mencionado foi cobertura universal e sistemas de saúde, com 16,1%, seguido de lesões e violência, com 23,2%. Os grupos outros, riscos ambientais e doenças não transmissíveis ocuparam a quarta, quinta e sexta posições respectivamente.

No que se refere à consistência, os grupos que apresentam o nível mais elevado são outros, com 84,4%; saúde reprodutiva e materna, com 82,8%; e doenças não transmissíveis, com 78,4%. Já os grupos que apresentam menor consistência, comparando-se ao quadro oficial, foram riscos ambientais, com 68,1%; lesões e violência, com 70,5%; e cobertura universal de saúde e sistemas de saúde, com 74,9%.

Ao se analisar os resultados com base nos rendimentos, observou-se que, apesar de serem responsáveis pela entrega de quase um terço dos RNVs (29,7%), os países de alta renda apresentaram, em seus relatórios, a segunda menor porcentagem de indicadores relacionados à saúde, com 21,1%, ficando atrás apenas dos países de baixa renda, que constituíram 13,8% das entregas de RNV e cujos indicadores de saúde tiveram frequência de 16,8%. Em termos de consistência, os países com baixo rendimento se destacaram por apresentar a descrição global dos indicadores mais alinhados ao quadro oficial global, atingindo 85,7%.

Para além das médias– Segundo os pesquisadores, as médias dão um panorama geral sobre a presença e consistência dos indicadores, mas obscurecem tendências distintas dentro dos grupos temáticos e categorias de rendimento, ocultando contradições e prioridades. Um bom exemplo da importância de se lançar um olhar mais atento a cada tema é o grupo saúde neonatal e infantil, que teve a frequência mais elevada, mas ficou em quinto lugar em termos de consistência. A taxa de frequência mais alta pode ser explicada pelo fato de que dados relacionados à saúde infantil se beneficiam de uma tradição estatística internacional. Entretanto, os pesquisadores questionam: se os dados são mais acessíveis, por que recorrer a métricas aproximadas? Para os cientistas, tal incoerência pode significar complexidades subjacentes na rede global de saúde centrada no desenvolvimento na primeira infância.

Outro exemplo da relevância de uma análise para além das médias é o grupo saúde reprodutiva e materna, que teve o terceiro lugar em frequência e o segundo em consistência. Tal desempenho pode ser atribuído a indicadores de mortalidade materna e de número de partos realizados. No entanto, o indicador de natalidade na adolescência apresentou a menor consistência total, devido à falta de dados estratificados para a faixa etária de 10 a 14 anos. Para os pesquisadores, essas evidências sugerem que certas dificuldades estatísticas estão ligadas ao estigma global, às escolhas políticas e ao investimento inadequado em temas de direitos sexuais e reprodutivos.

A análise do grupo outros, que obteve a quarta maior frequência, com 31,2%, e ocupou o primeiro lugar em termos de consistência, com 81%, também revela algumas prioridades. Os indicadores que elevaram a média desse grupo foram linha de pobreza internacional (82,6%) e o acesso à eletricidade (62,1%). Entretanto, os indicadores relacionados com migração e legislação estatística tiveram frequências inferiores a 10%. O indicador de proteção social registrou a menor consistência dentro do grupo, 68,9%.

A análise mais atenta sobre a renda também fornece informações importantes, ao mostrar as diferenças de prioridades expressas nos relatórios conforme o rendimento do país. Os três grupos com frequência mais alta, ou seja, saúde neonatal e infantil, doenças infecciosas, e saúde reprodutiva e materna, tiveram indicadores mais presentes nos RNVs dos países de baixa renda. Já o grupo riscos ambientais foi mais frequente nos relatórios dos países de renda mais alta.

Chama atenção dos pesquisadores o grupo cobertura universal de saúde e sistemas de saúde, que teve a menor frequência e umas das consistências mais baixas. “Essa ausência e inconsistência de indicadores tem a ver com a forma como os países lidam com a saúde. Muitos países não têm sistemas bem estruturados, outros incluem a iniciativa privada como parte. A ausência desse indicador também nos remete à ideia de que outros indicadores frequentes nos relatórios sejam fruto de um trabalho verticalizado, quando deveria ser horizontal”, avalia Ana Luisa.

Para a equipe de pesquisa, as escolhas dos indicadores e o grau de consistência refletem os diversos perfis de adesão à Agenda 2030 e à sua governança. “A possibilidade de ajustes dos indicadores é interessante, na medida em que permite uma adequação às diferentes realidades. Entretanto, nosso estudo mostrou que essas adaptações geram um enfraquecimento da governança global porque os países tendem a apresentar indicadores aproximados e, muitas vezes, simplificados, ignorando-se uma série de questões importantes. Por exemplo, no caso do saneamento básico, não basta verificar se o país está conseguindo disponibilizar água sem avaliar se a água é segura. Existe então uma preocupação de propor inovações estatísticas, a partir de uma indicação de mais qualidade. Este trabalho permite sair do campo discursivo e ir para o campo das evidências, contribuindo para entender quais trabalhos internos necessitam ser feitos para que o avanço rumo ao cumprimento dos ODS seja coletivo”, destaca a pesquisadora.

Com autoria de Ana Luisa Jorge Martins e Rômulo Paes-Souza, o artigo com os resultados foi publicado na revista BioMed Central (BMC).

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