Para fazer o controle de doenças infecciosas é necessário compreender bem as características de organismos que fazem parte do ciclo de transmissão, como, por exemplo, vetores e hospedeiros. Trata-se de uma tarefa bastante complexa, mas que pode ser facilitada por meio de ferramentas como as coleções biológicas, que são um conjunto de indivíduos organizados de forma a oferecer informações sobre a procedência, coleta, identificação de cada um de seus espécimes, fornecendo, assim, importantes subsídios para a pesquisa.
“Pode-se dizer que ter as informações sobre a coleta, origem e identificação dos exemplares é o principal atributo de uma coleção científica. Se não tiver tais informações associadas aos exemplares, essa coleção dificilmente servirá para fins científicos, já que esses registros são imprescindíveis ao pesquisador, garantindo a confiança na identidade da espécie que ele estudará”, explica a bióloga Raquel Aparecida Ferreira, curadora da Coleção de vetores da Doença de Chagas do IRR. Segundo ela, as coleções também são importantes aliadas dos serviços de vigilância epidemiológica.
“As coleções também podem auxiliar na identificação de espécies, permitindo a comparação de exemplares provenientes do campo com aqueles identificados por especialistas e tombados nas coleções”, diz.
Para a bióloga Cristiane Lafetá, curadora da Coleção de Malacologia Médica do IRR, o acervo de uma coleção pode viabilizar estudos em qualquer época. Uma pesquisa que, por falta de tecnologia não possa ser desenvolvida hoje, poderá acontecer no momento em que a tecnologia já estiver disponível, graças ao material depositado e preservado na coleção.
“Se, no momento, não é possível desenvolver uma vacina por não ter tecnologia, pode-se fazer isso no futuro, recorrendo aos materiais do acervo. No caso da nossa Coleção de Malacologia, por exemplo, temos materiais congelados, DNA de molusco, DNA de parasito, permitindo uma série de estudos futuros”, revela a curadora. Ela destaca ainda o importante papel desempenhado pelas coleções no registro histórico das doenças.
“Temos aqui o registro de mais de 30 anos do hospedeiro do
Schistosoma mansoni [verme causador da esquistossomose]. Então, além de auxiliar a Vigilância no mapeamento de regiões críticas para a doença, temos todo o registro de onde estão os hospedeiros. A coleção conta toda a história biológica dos moluscos de importância médica no Brasil”, explica Cristiane.
Às vezes, a coleção guarda até mesmo registros da história política do Brasil. A Coleção de Flebotomíneos do IRR, por exemplo, conta com cerca de 80 mil indivíduos, entre eles espécimes vindas do Peru e da Venezuela. Elas foram enviadas pelo pesquisador Amílcar Martins, quando em exílio, na época do regime militar.
“Ele teve que deixar o país e, no exílio, continuou trabalhando e enviando remessas de insetos. Também temos muitas espécies provenientes do Nordeste do Brasil, como Piauí e Maranhão, coletadas na época em que eram realizadas expedições para o combate às leishmanioses e a outras doenças”, conta o biólogo José Dilermando Andrade Filho, curador da Coleção de Flebotomíneos do IRR.
Segundo Dilermando, a maior parte do acervo é constituída por espécies capturadas por pesquisadores da unidade durante trabalho de campo, mas também são recebidos insetos de outras instituições, especialmente quando se trata da descrição de uma nova espécie.
“Fazemos trabalhos ligados à epidemiologia, possibilitando-nos coletar muitos indivíduos. Aqui, temos profissionais que fazem o trabalho de taxonomia, ou seja, a descrição, identificação e classificação dos organismos”, explica o curador, destacando ainda o importante papel das coleções de fazer o registro da biodiversidade do país e das alterações ambientais.
Mas manter uma coleção biológica dá trabalho e requer um cuidado diário. O curador e sua equipe precisam estar sempre atentos às mudanças que ocorrem em relação ao tema de sua coleção, de forma atualizar os registros. É o que explica a bióloga Maria Angélica de Oliveira, curadora-adjunta da Coleção de Mosquitos Neotropicais, que são vetores de doenças como dengue, febre amarela, Zika, chikungunya, mayaro e malária.
“É preciso que tudo seja catalogado, com todas as anotações. Há casos de uma espécie que, a partir de novas descobertas, passou a ser cinco. Então, todas as mudanças devem ser devidamente transferidas para a coleção”, afirma. Segundo ela, a cada exemplar recebido, é necessário etiquetar, montar e identificar, colocando o chamado ‘número de tombo’.
“Cada indivíduo deve ser identificado com um número. Além disso, é preciso fazer controle de pragas e cuidar do ambiente onde fica a coleção, verificando temperatura, umidade, incidência de luz, que são condições que podem interferir na conservação do material”, destaca Angélica.
Entre os serviços oferecidos pelas equipes que atuam nas coleções biológicas do IRR estão empréstimo e doação de material, depósito de indivíduos capturados, consulta ao acervo, consultoria, além de capacitação em técnicas de coleta, triagem, montagem, identificação taxonômica e preservação das espécies do acervo.
Saiba mais sobre as coleções:
Coleção de Vetores da Doença de Chagas
A
Coleção de Vetores da Doença de Chagas (COLVEC) é constituída por, aproximadamente, 13.330 espécimes, distribuídos por 82 espécies de diferentes populações de triatomíneos provenientes da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, México, Panamá, Peru, Uruguai, Venezuela e Estados Unidos, e cerca de 100 espécimes de outras subfamílias da subordem Heteroptera do Brasil. A coleção auxilia em pesquisas e outras atividades de enfrentamento da doença de Chagas.
Coleção de Malacologia Médica
A
Coleção de Malacologia Médica (CMM) conta com aproximadamente 14 mil exemplares de moluscos límnicos de importância médica e veterinária, provenientes do Brasil, Alemanha, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, França, México, Paraguai, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Esta Coleção está diretamente relacionada com as atividades de pesquisa e Serviço de Referência em Esquistossomose, sendo constituída, em sua maioria, por moluscos do gênero
Biomphalaria (caramujo), que é o hospedeiro intermediário do
Schistosoma mansoni, parasita que tem no homem seu hospedeiro definitivo.
Coleção de Mosquitos Neotropicais
A
Coleção de Mosquitos Neotropicais (CMN) possui cerca de 45 mil espécimes de alados de 414 espécies, de 21 gêneros das Subfamílias Anophelinae e Culicinae, representantes das Regiões Neotropical, Neártica, Etiópica e Paleártica, além de genitálias masculinas e femininas, pupas e larvas montadas em cerca de 13.500 lâminas. Trata-se de transmissores de doenças como malária, além das arboviroses dengue, febre amarela, Zika, mayaro e chikungunya.
Coleção de Flebotomíneos
A
Coleção de Flebotomíneos (COLFLEB) tem cerca de 80 mil exemplares distribuídos por 370 espécies de flebotomíneos provenientes do continente americano e outras 43 espécies dos gêneros
Phlebotomus e
Sergentomyia, provenientes da Europa, Ásia e África. Os flebotomíneos, também conhecidos como mosquito-palha, são insetos que podem transmitir a
Leishmania, agente etiológico das leishmanioses, doença que pode causar lesões na pele ou afetar as vísceras (órgãos internos) com manifestações graves.