Toshie Camey. Foto: Sociedade Brasileira de Malacologia
Toshie Camey nasceu em São Paulo, no ano de 1938. Graduou-se em História Natural pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1961. Mas antes disso já havia ingressado no Centro de Pesquisas de Belo Horizonte, atual Instituto René Rachou, como Auxiliar de Laboratório, em abril de 1959.
Após a graduação foi promovida nos quadros funcionais da instituição, galgando as funções de Auxiliar de Pesquisa, Pesquisadora, Biologista e Pesquisadora em Biologia.[1] Desenvolvia seus trabalhos no Laboratório de Química, coordenado pelo pesquisador Ernest Paulini, sendo responsável por investigar biologia de moluscos transmissores da esquistossomose, embriologia de moluscos e ação de substâncias moluscicidas.[2]
Entre 1965 e 1967 obteve licença do trabalho para cursar especialização em Embriologia na Universidade de Utrecht, Holanda, com bolsa da Organização Mundial de Saúde. Conciliou a especialização com o doutorado pela UFMG, em Biologia do Desenvolvimento de Moluscos, defendendo a tese em 1968, com o título Estágios iniciais do desenvolvimento embrionário de Biomphalaria glabrata (SAY,1818), sob orientação de Nikolaas Verdon e Giorgio Schreiber (que também trabalhou no IRR).[3]
Quando do seu retorno ao Brasil, o pesquisador Giorgio Schreiber, professor catedrático na UFMG, enviou requerimento, em julho de 1968, à Marcelo de Vasconsellos Coelho, diretor do Centro de Pesquisas René Rachou, solicitando a liberação de Toshie Camey para trabalhar durante algumas horas no Instituto de Biologia, na seção de Citofotometria da universidade, invocando o “convênio existente entre o Centro e o Instituto de Ciências Biológicas da UFMG”. Toshie iria colaborar com pesquisas relativas à “Embriologia de Biomphalaria”, estudando o “DNA nos blastômeros”. Os resultados seriam apresentados no final daquele ano, em evento internacional com participação das duas instituições.[4] O Simpósio ocorreu no mês de dezembro, em Belo Horizonte, intitulado Nuclear Physiology and Differentiation, e Toshie apresentou uma comunicação sobre Síntese Ácido Nucleica em Estágio Inicial.[5]
No IRR, Toshie participou do Plano Piloto de Controle da Esquistossomose, realizando trabalho de campo para coleta de caramujos em Minas Gerais, pois o plano previa a realização de “estudos e pesquisas” sobre a doença.[6] Na cidade de Belo Horizonte a cientista recolheu espécimes em locais como a Lagoa da Pampulha, Cabana do Pai Tomás, Barreiro, Gameleira, Horto e Ressaca. Também citou outros municípios, como Ribeirão das Neves, Nova Lima, Santa Luzia e Divinópolis. Nos seus cadernos de campo, sob guarda do IRR, Toshie descrevia brevemente o local da coleta de caramujos, a quantidade apanhada, espécies, medidas e se a testagem dera positivo ou negativo. Ela também fazia observações sobre experimentos de substâncias moluscicidas, assinalando compostos (muitos de origem natural), como barbatimão, eucalipto, pós de casca de laranja, óleo de coco, trichilia e diversas substâncias, demonstrando a vocação experimental da pesquisadora.[7]
Em meados de 1969, Toshie pediu demissão do CPqRR, casou-se e passou a assinar com o sobrenome Kawano, fazendo pausa na carreira, retomada em 1976.[8] A partir de então atuou por alguns anos como bolsista do Departamento de Biologia e Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Em 1987 ingressou como pesquisadora do Instituto Butantã, no Departamento de Parasitologia – Laboratório de Malacologia, onde permaneceu até sua aposentadoria. Na instituição ela dedicou-se à genética de caramujos, biologia do desenvolvimento, efeitos químicos e físicos em caramujos hospedeiros intermediários do Schistosoma mansoni e
relação hospedeiro/parasito da esquistossomose.[9]
Toshie publicou mais de 50 artigos científicos e orientou diversos trabalhos de mestrado e doutorado. Foi vice-presidente da Associação Latino-americana de Malacologia (2005), integrou a Sociedade Brasileira de Malacologia, a Sociedade de Biologia de Minas Gerais e a Associação Mineira Universitária.[10] Em 2008 foi agraciada com a Medalha Pirajá Da Silva, e no ano seguinte recebeu placa de reconhecimento da Sociedade Brasileira de Malacologia.
Toshie Camey Kawano faleceu em 2010. O informativo da Sociedade Brasileira de Malacologia abriu espaço, na edição de junho daquele ano, para a publicação de homenagens e manifestações de pesar enviados por cientistas do Brasil e do mundo. Todos destacaram seu legado e dedicação no campo da malacologia, além da gentileza e generosidade que demonstrava na relação com estudantes e colegas.
[1] Ministério da Saúde. Serviço Nacional de Malária. Ficha funcional Toshie Camey. Documento interno IRR.
[2] PEREIRA, José Pedro. Declaração, 4 jul. 1990. Documento interno IRR.
[3] Toshie Kawano. Currículo Lattes. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/9847958841193831>.
[4] SCHREIBER, Giorgio. Requerimento oficial, 23 jul. 1968. Documento interno IRR.
[5] International Symposium on Nuclear Physiology and Differentiation. Folder do evento com programação. Documento interno IRR.
[6] Projeto-Piloto de Combate à Esquistossomose. Decreto 52.279, jul. 1963.
[7] KAWANO, Toshie Camey. Cadernos de Campo 1 e 2. Acervo do IRR
[8] FONSECA, Ana Carolina Rezende. “Esquistossomose: na qual tudo é difícil, inclusive o nome”: a doença como problema de saúde pública no Brasil (1938-1975). Tese de Doutorado. Departamento de História. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022, p. 218.
[9] Toshie Kawano. Currículo Lattes. Ibidem.
[10] Nota de Falecimento – Dra. Toshie Kawano. Informativo Sociedade Brasileira de Malacologia, Rio de Janeiro, ano 41, n. 172, 30 jun. 2010, p. 4; FONSECA, Ana Carolina Rezende. “Esquistossomose: na qual tudo é difícil, inclusive o nome”. Ibidem.