A SpiN-TEC, vacina contra a Covid-19 desenvolvida pela Fiocruz Minas e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), já pode começar a ser testada em seres humanos. Nesta segunda-feira (3/10), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o início dos chamados ensaios clínicos e, a partir de agora, os pesquisadores podem avançar para a etapa em que se avaliam a segurança e a resposta imune gerada pela vacina.
Nesta nova fase, o imunizante será aplicado em voluntários que se candidatarem para participar do estudo. Os interessados poderão se cadastrar por meio de plataforma online, a ser divulgada em breve. Segundo o pesquisador da UFMG e coordenador dos ensaios clínicos Helton Santiago, ao todo, serão selecionados 432 voluntários. Desses, 72 participantes para a fase I, que visa avaliar a segurança da vacina, verificando os possíveis efeitos colaterais, como dor de cabeça, dor local, febre, náusea, entre outros. Já a fase II contará com 360 voluntários e vai avaliar, além da segurança, o nível de anticorpos gerados e a resposta dos linfócitos, que, juntos, poderão garantir a proteção do organismo contra a infecção por Covid-19. Cada participante será acompanhado pela equipe clínica da pesquisa durante um ano, mas não será necessário aguardar esse prazo para iniciar a fase II, que deve começar dentro de quatro a seis meses após o início da I.
Nas duas etapas, os voluntários serão divididos em dois grupos: um com participantes com idade entre 18 e 54 anos, e outro com pessoas com idade entre 55 e 85 anos. O objetivo dos pesquisadores é avaliar se a faixa etária pode interferir na resposta imunológica e também na segurança. Os testes começarão sempre pelo grupo mais jovem, seguindo para os mais idosos.
"Este foi um trabalho de uma equipe de mais de 20 pesquisadores ligados ao Centro de Tecnologia de Vacinas (Fiocruz/UFMG). Entre eles, Graziella Rivelli, Santuza Teixeira, Ana Paula Fernandes, Natalia Salazar, Nalalia Houmo-Souza, Júlia Castro e Helton Santiago tiveram um papel fundamental", comenta o pesquisador da Fiocruz Minas e da UFMG, Ricardo Gazzinelli, que coordenou o projeto. De acordo com Gazzinelli, a proposta da SpiN-TEC é atuar como dose de reforço, uma vez que a maior parte da população já foi vacinada com outros imunizantes. Durante os testes, a vacina será avaliada por meio de marcadores imunológicos, e sua eficácia precisará ser igual ou superior aos imunizantes que já estão no mercado.
Os ensaios começam assim que a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) revalidar a aprovação concedida anteriormente. A revalidação visa contemplar as recomendações apresentadas no parecer da Anvisa.
Proteção contra variantes
A vacina SpiN-TEC consiste na fusão de duas proteínas, S e N, que resultam em uma proteína “quimera”. Essa associação confere à SpiN-TEC um diferencial em relação aos demais imunizantes, que incluem apenas a proteína S, na qual ocorre a maior parte das mutações do vírus, podendo comprometer eficiência dos anticorpos neutralizantes. Já a proteína N é menos sujeita às mutações que geram novas variantes. Dessa forma, a SpiN-TEC poderá oferecer proteção contra as variantes do coronavírus.
“É uma vacina desenhada para atuar na produção de anticorpos e também no nível celular, induzindo resposta de linfócitos Ts, células com funções imunológicas de efetuação de respostas antivirais. Assim, mesmo que o vírus sofra algumas mutações específicas, as células de defesa continuariam reconhecendo o agente invasor”, explica Gazzinelli.
Além de gerar resposta imunológica para diferentes variantes, outra vantagem da SpiN-TEC é que sua plataforma tecnológica apresenta facilidades logísticas. De acordo com o pesquisador, é uma vacina de alta estabilidade, podendo ser conservada em temperatura ambiente por duas semanas e, na geladeira a quatro graus, por até seis meses. “Isso facilita muito a distribuição, ainda mais se considerarmos a extensão territorial do Brasil, com municípios que nem sempre dispõem de uma boa infraestrutura”, afirma Gazzinelli.
Produção nacional
Outra importante característica da SpiN-TEC é a possibilidade de ser totalmente desenvolvida por instituições brasileiras. O Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), que é o insumo que tem a informação que leva o organismo a preparar suas defesas contra o vírus, foi concebido e elaborado no Brasil, tornando o país menos dependente de tecnologias estrangeiras. “A proteína ‘quimera’ é uma proteína recombinante produzida em bactéria, um modelo clássico, barato, que utiliza uma infraestrutura já existente no país”, explica Gazzinelli.
Segundo o pesquisador, o lote clínico, que será aplicado nos 432 voluntários durante as fases I e II, já está pronto. Após o desenvolvimento do processo de produção do IFA no CT-Vacinas (Fiocruz/UFMG), o insumo foi transferido para a Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos, onde ocorreu a fabricação do lote. Já o envase ficou a cargo do Complexo Industrial Farmacêutico Cristália, localizado em São Paulo. Para a fase III, que envolverá cerca de quatro mil voluntários, já foi firmada uma parceria com a Fundação Ezequiel Dias (Funed), laboratório central do estado de Minas Gerais, que ficará responsável pela fabricação do IFA. O envase deve ser feito por uma empresa brasileira do setor privado, que, inclusive, já manifestou interesse na comercialização da SpiN-TEC, havendo sucesso em todas as fases.
“O Brasil é um país com tradição em pesquisas, mas existe um gargalo na transição de um estudo desenvolvido em universidade ou instituição de pesquisa, como a Fiocruz, para o ensaio clínico, que depende de produção. Estamos conseguindo ultrapassar isso. Dando tudo certo, vamos ter uma vacina que partiu do zero até a produção, totalmente desenvolvida no país, chegando no braço da população brasileira”, afirma Gazzinelli.
Além dos pesquisadores da Fiocruz Minas e da UFMG, também estão envolvidos cientistas da Rede de Pesquisa Clínica da Fiocruz, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Ezequiel Dias (Funed). O trabalho recebe o apoio da Rede Vírus do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), da Prefeitura de Belo Horizonte, Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).