Fiocruz Minas abre ano letivo com aula inaugural sobre mudanças climáticas

12/03/2025

Com uma palestra intitulada Mudanças climáticas e saúde: o que nos espera nas próximas décadas, a Fiocruz Minas abriu oficialmente as atividades do ano letivo, na última segunda-feira (10/3). A aula foi ministrada pelo professor Paulo Artaxo, do Departamento de Física Aplicada da Universidade de São Paulo, referência internacional na área de mudanças climáticas e meio ambiente. Durante a abertura do evento, o diretor da Fiocruz Minas, Roberto Sena Rocha, a coordenadora geral adjunta do Stricto Sensu da Fiocruz, Isabella Delgado, e a vice-diretora de Ensino do IRR, Rita de Cássia Moreira de Souza, agradeceram a presença de Artaxo e deram as boas-vindas aos estudantes.

Artaxo abriu sua apresentação fazendo um resumo da jornada humana na Terra, iniciada há 200 mil anos. Ele lembrou que, ao longo desse tempo, houve períodos um pouco mais quentes, outros um pouco mais frios, mas sempre se mantendo uma temperatura estável no planeta, o que possibilitou estruturar a civilização como se conhece hoje.  Entretanto, segundo o professor, a partir de 1750, quando ocorreu a Revolução Industrial, propriedades básicas da vida do planeta começam a ser alteradas, gerando uma série de consequências.  “Agora, estamos em uma encruzilhada, pois temos diante de nós algumas questões desafiadoras: democracia comprometida, perda de biodiversidade, mudanças climáticas, alta desigualdade, pandemias, entre outras”, disse.

De acordo com o professor, cientistas de diversas partes do mundo vêm chamando a atenção para a necessidade de mudar o caminho de desenvolvimento que vem sendo trilhado. Ele contou que um desses alertas é o Boletim de Cientistas Atômicos, que dispõe de uma ferramenta chamada Relógio do Juízo Final, que simboliza o quanto a humanidade se aproxima da destruição. Quanto mais próximo da meia-noite mais perto do fim. “Para ajustar o relógio, são consideradas ameaças como mudanças climáticas, conflitos nucleares, avanços tecnológicos disruptivos e desinformação global, de forma a se avaliar o quão perto a humanidade está do fim”, explicou. O relógio foi originalmente ajustado para sete minutos para a meia-noite em 1947, ano de sua criação. Mas em 2025, segundo o professor, ele foi ajustado para 89 segundos, o mais próximo que já esteve do fim.

Outro alerta veio do relatório Global Risks 2025, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, com base na contribuição de mais de 900 especialistas de diversas áreas. Segundo Artaxo, o documento analisa anualmente os principais desafios que o mundo enfrenta. “Este ano, os riscos ambientais dominam as preocupações. Eventos climáticos extremos, perda de biodiversidade, poluição e o colapso dos ecossistemas estão entre os principais desafios para a próxima década”, afirmou.

Artaxo citou também a iniciativa de um grupo de pesquisadores que, de tempos em tempos, publicam na Revista Science os limites planetários, que são os parâmetros que a humanidade deve respeitar para que a Terra continue habitável. Em 2009, três limites haviam sido ultrapassados; em 2015, quatro limites; e, em 2024, já são sete limites ultrapassados.

“São diferentes publicações, com uma só mensagem: as emissões globais de gases de efeito estufa continuam a aumentar. Se não for controlado, corremos sérios riscos”, ressaltou.

Artaxo lembrou algumas iniciativas visando discutir questões ambientais, como a Conferência de Estocolmo, em 1972; a Rio 92; a Rio +20, em 2012, entre outras, mas que, segundo ele, não tiveram impacto para reduzir a emissão de gases. “Não temos uma governança global, isso dificulta”, comentou.

O Brasil é o sétimo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, com 3% do total mundial, mas o país se destaca como matriz energética, segundo o professor. “Das fontes de energia que movem o mundo, 81% vêm de combustíveis fôsseis, mas nenhum outro país consegue reduzir emissões de forma rápida e barata como o Brasil. O nosso ponto fraco são as emissões devido ao desmatamento da Amazônia, que tem implicações enormes”, avaliou.

Artaxo ressaltou que a ação humana está mudando a composição da atmosfera. Desde 1750, vêm crescendo as concentrações médias de gases que agravam o efeito estufa, como o gás carbônico, que aumentou 66%; metano que subiu 259%; e óxido de nitroso, com aumento de 123%.

“As ações humanas têm aquecido o planeta a taxas sem precedentes nos últimos anos. As áreas continentais, que aquecem mais que as oceânicas, tiveram aumento acima de 2° C, chegando a 2,4°C. O Brasil, que fica em região tropical, é ainda mais impactado. Se o planeta aquecer 3°C, a temperatura no Brasil aumentará de 4 a 4,5 graus”, disse.

Conforme o professor, isso leva a mudanças na umidade do solo, fazendo com que se torne cada vez mais difícil produzir alimentos. “O PIB do Brasil depende de água, uma vez que nossa economia é baseada na agropecuária”, lembrou. “Além disso, com a atmosfera mais quente, mais vapor de água será retido sem condensar, causando chuvas mais fortes. E ainda: a sensação térmica, que é a combinação de temperatura mais umidade do ar, tende a aumentar ainda mais, gerando impactos na saúde, como desidratação, especialmente em crianças e idosos”, completou. Para Artaxo, o Sistema Único de Saúde (SUS), precisa se adequar, pois em cenários de crise climática, os eventos extremos ficam até 39 vezes mais frequentes. Os efeitos na saúde humana serão vários e interligados entre si.

“O MApBiomas Água mostra que 76% dos municípios do Cerrado perderam superfície de água nos últimos 30 anos. Em 2024, algumas cidades, como Brasília e Belo Horizonte, ficaram 5 meses sem chuva. Mostrou também que 2024 foi o ano mais quente, desde 1850 quando os registros começaram”, destacou.

De acordo com o professor, os mais vulneráveis sofrem mais os efeitos. Regiões tropicais, como Brasil e África, perderão mais espécies. E também as populações mais vulneráveis, como os povos indígenas, tendem a sofrer as consequências mais fortemente. “Há impacto, por exemplo, nos assentamentos, uma vez que não adianta assentar, se não houver água para plantar”, afirmou.

Para Artaxo, é preciso avaliar qual caminho escolher. “Vamos sair desta?”, questionou. “Acredito que sim. A humanidade está passando por mais uma transição, desta vez, é preciso que seja para um mundo mais sustentável”, disse. O professor destacou que a Amazônia é estratégica porque é um reservatório de carbono maior do que qualquer ecossistema do planeta, constituída por mais de 120 bilhões de toneladas. “Temos carbono armazenado na Amazônia, que equivale a mais de 10 anos de toda a queima de combustíveis fósseis de toda a Terra”, afirmou.

Segundo o professor, o Brasil tem algumas características que podem representar boas oportunidades, como o potencial para redução de emissões com benefícios e para desenvolvimento de energia solar e eólica, além de dispor de programa de biocombustível único, com potencial de sequestro de carbono com geração de renda. Mas há também vulnerabilidades, como uma economia baseada no agronegócio, geração de eletricidade dependente do clima, 8500 km de áreas costeiras vulneráveis e um semiárido nordestino que pode virar árido.

Entre os caminhos a serem trilhados, Artaxo destacou a necessidade de eliminar o desmatamento na Amazônia e demais biomas até 2030 (os legais e os ilegais), combater os crimes ambientais, acabar com a exploração de petróleo, acelerar a transição energética, promover a adaptação ao novo clima considerando a redução das desigualdades como aspecto central, fortalecer agentes financeiros criando mecanismos de investimentos robustos e verificáveis, investir em ciência de adaptação e mitigação climática e reforçar o SUS. Ele salientou ainda que a função da ciência é construir um espaço seguro e justo para a humanidade e, para isso, será necessária uma ciência interdisciplinar.

“Para finalizar, quero citar duas frases. Uma de Einstein, que declarou que ‘os problemas não podem ser resolvidos com a mesma mentalidade que os criaram’. E a outra de Giordano Bruno, que disse: ‘que ingenuidade pedir a quem tem o poder para mudar o poder’. E, então, finalizo com uma homenagem a Nísia Trindade, que é uma pessoa que trabalha para mudar a trajetória. Que sirva de inspiração para vocês, estudantes, que vão mudar a trajetória”, concluiu.

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