nteligências artificiais: oportunidades, desafios e perigos foi tema da palestra de abertura do ano letivo da Fiocruz Minas, ministrada pelo professor do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Anderson de Resende Rocha. O evento, realizado na última sexta-feira (8/3), reuniu estudantes e pesquisadores da unidade que, durante toda a tarde, puderam conhecer um pouco mais sobre esse universo e esclarecer dúvidas sobre o tema. Iniciando as atividades, a vice-diretora de Ensino, Informação e Comunicação, Rita de Cássia Moreira de Souza, falou sobre a satisfação de abrir o ano letivo em uma data tão especial, Dia Internacional das Mulheres, e destacou a importância da discussão sobre inteligências artificiais.
“Nesse dia especial, a Fiocruz Minas homenageia todas as mulheres que lideram, que desenvolvem e que, de alguma forma, contribuem para o desenvolvimento das nossas pesquisas, e cujas atribuições envolvem a busca e o desenvolvimento de estratégias para a promoção da saúde e fortalecimento do SUS. Neste Instituto, reconhecido por sua excelência em pesquisa, ensino e formação, somos motivados a liderar o diálogo sobre como incorporar as inteligências artificiais de maneira ética e responsável. Para isso, é fundamental envolver toda comunidade, com ênfase especial na participação ativa das mulheres, garantindo que nossas vozes, em particular, sejam ouvidas e consideradas nesta discussão. Vamos aproveitar as oportunidades que as inteligências artificiais oferecem para impulsionar nossos projetos e atividades, sempre mantendo a ética e a inclusão no centro de nossas ações”, disse.
A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Nágila Secundino, agradeceu a todas as pessoas que contribuem para as atividades da área de ensino na unidade e, principalmente, a alunas e alunos. “Quero agradecer à direção do IRR, às secretárias da Secretaria Acadêmica, ao meu vice na coordenação, Edward, e aos professores, pois sem eles não estaríamos comemorando mais um início de ano letivo. E quero agradecer também a cada estudante, por escolher a Fiocruz, por nos escolher como mentores e por escolher a ciência”, destacou.
A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Paula Bevilacqua, ressaltou a importância da data para refletir sobre as desigualdades de gênero que ocorrem na sociedade e, consequentemente, acabam se refletindo nas instituições. “É preciso trazer essa reflexão, pois trabalhar com ciência não significa que não reproduzimos as desigualdades. Já somos a maioria numericamente na ciência, mas que lugares ocupamos? As mulheres ainda se dedicam a tarefas domésticas cerca de 10 horas a mais do que os homens, segundo dados da Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio], o que significa que não vamos conseguir nos dedicar às nossas atividades profissionais da mesma forma que eles. E temos ainda a questão da violência: Minas Gerais é o estado que mais mata mulheres. Então, pensando no tema da palestra, fica o questionamento sobre como a inteligência artificial pode ajudar a reduzir a desigualdade e nos tornar uma sociedade menos violenta”, disse.
Representando a Vice-Presidência de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, a coordenadora-geral de educação, Cristina Guilam, destacou o compromisso da Vice-Presidência de Ensino em potencializar os programas de pós-graduação do IRR, para que possam realizar o que se propõem. “Quero destacar as possibilidades que a Fiocruz oferece a estudantes, como as bolsas sanduíche, que permitem a realização de parte do curso no exterior, além de um programa para incentivar a circulação dos nossos alunos entre as diversas unidades da Fundação. Encerro minha fala destacando a importância do IRR, com sua excelência no ensino e na pesquisa”, afirmou.
O diretor da Fiocruz Minas, Roberto Sena Rocha, destacou a alegria de abrir mais um ano letivo. Em referência ao Dia Internacional da Mulher, ele lembrou que, na Fiocruz Minas, hoje, as três vices-diretorias são ocupadas por mulheres, mas destacou que ainda são necessários muitos avanços para reduzir as desigualdades. O diretor também falou sobre a importância de refletir sobre a ciência que está sendo feita na instituição. “Que ciência estamos fazendo? Estamos respondendo às demandas da sociedade? Essa é uma reflexão que precisa ser feita por pesquisadores e estudantes a todo momento. É importante discutir novos caminhos, dar as respostas necessárias para a saúde da população, não somente a brasileira, mas para toda a sociedade. Nesse sentido, quero agradecer muito a presença do prof. Anderson, que vai nos orientar e ajudar a pensar sobre inteligência artificial e sobre os seus preceitos éticos”, disse.
Palestra- Anderson Resende Rocha trabalha com inteligência artificial há 20 anos. Professor da Unicamp desde 2009, está à frente de um laboratório que conta com cerca de 300 colaboradores. Ao iniciar sua apresentação, ele destacou que inteligência artificial é matemática e, portanto, pode ser explicada e questionada.
“A gente sempre ouve falar que vamos ser dominados pela inteligência artificial, mas é importante lembrar que essa é uma visão de Holywood, ou seja, do capitalismo. Enxergar a IA como mágica não ajuda em nada, pelo contrário, só prejudica. Por isso, sempre começo minha apresentação dizendo que IA não é mágica, porque, se acreditarmos nisso, não vamos poder questionar e nem mesmo regulamentar”, afirmou.
Segundo o professor, IA é a capacidade de um sistema de interpretar corretamente dados externos, aprender problemas específicos e usar essas capacidades aprendidas para atingir objetivos e tarefas específicas por meio de adaptação flexível. Ele ressaltou que, hoje, passamos por uma revolução da convergência, que envolve genética, nanotecnologia, robótica, internet das coisas e, no centro dessa convergência, está a IA. Um bom exemplo dessa confluência, segundo ele, é o desenvolvimento da vacina da Covid-19, que envolveu conhecimentos genéticos, mas também contou com a ação da IA, que permitiu aos cientistas analisarem milhares de dados relevantes a um ritmo sem precedentes, resultando na vacina mais rápida da história.
Conforme o palestrante, para fazer uso de IA, é preciso questionar se os dados gerados fazem sentido e, para isso, os especialistas são fundamentais. Ele lembrou que, durante a pandemia, surgiu a ideia de que seria possível detectar a Covid apenas analisando imagens, por meio de IA, mas, depois, verificou-se que a detecção por esse método só acontecia quando o paciente já estava muito mal. “Isso mostra que as soluções algorítmicas devem ser sempre avaliadas por um especialista, se não, podemos ficar reproduzindo dados sem sentido”, afirmou.
Rocha também elencou algumas mudanças geradas a partir do uso de IA, como no mercado de trabalho que, agora, requer estudo permanente. Outra modificação é em relação à área de atuação de uma organização que, agora, pode se dar de forma global. Também em relação à geração de conteúdo houve uma verdadeira transformação, pois, se antes apenas poucas empresas produziam e faziam circular conteúdos, hoje, qualquer pessoa pode fazer isso. Na saúde, as mudanças acontecem nos equipamentos, cada vez mais capazes de enxergar o corpo humano, e também na análise de dados do paciente, cada vez mais personalizado.
O professor destaca que, embora permitam muitos avanços, os algoritmos são treinados dentro de uma base de dados disponíveis. Muitas vezes, são dados de países bem desenvolvidos, constituídos, majoritariamente, por pessoas brancas e ricas. Isso pode levar a algumas distorções e impactar no conhecimento sobre os mais diversos temas.
“Na literatura sobre o câncer de pele, por exemplo, muito do que se discute é baseado em dados de pessoas brancas, fazendo com que as soluções propostas possam falhar com as pessoas negras. Ou seja, são muitas nuances que precisam ser observadas ao se trabalhar com IA”, pontuou.
Já finalizando, o professor mostrou o Projeto Viva Bem, desenvolvido pelo laboratório dele, que visa promover pesquisas disruptivas em IA para saúde e bem-estar, focando em aplicações tecnológicas de monitoração contínua da saúde de indivíduos através de dispositivos vestíveis. Entre os temas trabalhados estão desordens do sono, ansiedade, composição corporal, detecção e análise de Parkinson, diabetes, comportamento sedentário e vários outros.
“Por último, quero registrar que a IA chegou para ficar, não é uma onda, não está de passagem e, dessa forma, é preciso saber usar. É preciso considerar que IA produz resultados errados e, por isso, é necessário senso crítico. Ainda não estamos no nível de usar IA para entender causas, e sim estabelecer relação, portanto, os especialistas são fundamentais. Espero que a IA possa contribuir com soluções humanistas”, finalizou.