Mais Mulheres e Meninas na Ciência: jovens ativistas compartilham experiências em evento

03/03/2022

O ativismo feminino em meio ambiente foi o tema de um encontro virtual realizado na última quinta-feira (24/2), dentro do Programa Mais Mulheres e Meninas na Ciência. Com depoimentos inspiradores, quatro jovens ativistas da causa ambiental falaram sobre suas experiências e reforçaram a importância da atuação em rede para a defesa de questões que afetam a sociedade. O evento é parte do projeto Ativismo Juvenil: agenda viva no território das escolas na construção de um mundo mais sustentável, igualitário e sem discriminações, coordenado pela pesquisadora Cristiana Brito, da Fiocruz Minas, em parceria com Rosicler Neves, da Casa de Oswaldo Cruz (COC\Fiocruz), Corina Mendes, do Instituto Fernandes Figueira (IFF\Fiocruz), e Maria Regina, da Fiocruz Brasília. A atividade contou com o apoio do Grupo Motirõ, coletivo formado por estudantes para desenvolver ações voltadas para o fortalecimento da Agenda 2030, representado por Maria Eduarda Marques e Estephane Gonçalves, que fizeram a moderação do evento.

Em um primeiro momento, as convidadas contaram como se tornaram ativistas e o que as motivou. As respostas convergiram para um mesmo aspecto: começaram a partir de um desejo individual de contribuir para a preservação ambiental e se associaram a algum movimento depois de perceberem que é preciso unir forçar para mudar uma situação.

“É uma história que começa com afeto. Fui criada na roça e isso acaba estreitando o vínculo com plantas e animais. Tudo isso começou de forma individual e desde criança. Fui crescendo e descobri que esse afeto individual era uma causa coletiva. Quando fui morar no Pará – eu sou maranhense-, conheci o Levante, que é um movimento social de jovens não apenas voltado para a questão ambiental, mas para várias questões sociais. Comecei, então, a me engajar e a entender que precisava atuar de forma organizada e me aliar a outras pessoas e conhecer outros ativistas. No ano passado, tive o privilégio de compor o Muvuca, um programa de ativismo climático para capacitar jovens lideranças com importantes trajetórias, o que me fortaleceu ainda mais”, contou Amanda Lima, do Levante Popular da Juventude, movimento de jovens militantes voltado para a luta de massas em busca da transformação estrutural da sociedade brasileira.

Integrante do Movimento Fridays for Future, movimento internacional formado por estudantes para promover diversas manifestações a fim de evitar problemas climáticos, Gabriela Brasiliae, de 20 anos, também partiu de um incômodo individual até encontrar um grupo com o qual se identificou. “Sou autista e o meio ambiente sempre esteve em meu hiperfoco; pesquisava e falava sobre isso o tempo todo, desde criança. Fui crescendo e me afastei um pouco dessa questão. Mas, em 2018, resolvi fazer o curso de Direito e aí voltou o hiperfoco ambiental e decidi fazer Direito Ambiental. Mas pensei: como vou defender algo que não sei bem o que é? Então, decidi fazer Biologia também, mas no meio do curso de Biologia, achei que tinha muita teoria e pouca prática. Foi aí que encontrei o Movimento Fridays for Future e foi maravilhoso saber que tinham tantas outras pessoas se sentindo como eu, querendo fazer alguma coisa. A curiosidade me levou ao ativismo, e a ciência está me mantendo nele”, disse Gabriela.

Paloma Costa, 30 anos, uma das jovens conselheiras do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) na agenda de clima e integrante do grupo Engaja Mundo, iniciou sua fala dizendo se identificar com os depoimentos de Amanda e Gabriela e destacou que, para ela, o ponto de virada de chave foi o acesso à informação. “A história das meninas é a história de todas nós. Pra mim, foi justamente isso. Fazia Ciências Sociais e resolvi mudar para o Direito porque achei que, assim, iria ao STF defender o meio ambiente. Terminei o Direito e iniciei Antropologia. Mas o ponto de virada foi o acesso à informação. Porque a participação é um tripé: acesso à informação, educação de qualidade para entender o que significam essas informações e espaço para participar. O ponto chave foi quando comecei a fazer um estágio no Instituto Socioambiental e, lendo um relatório técnico sobre a importância dos territórios indígenas para o equilíbrio do clima, comecei a ver sobre os impactos, e fui ficando muito impressionada, precisando conversar com alguém. E aí encontrei o Engaja Mundo, que é um movimento organizado por jovens, um monte de gente querendo fazer alguma coisa, sabendo que não dá para ficar sentado se a gente quer a floresta em pé”, contou.

A cientista social Gabriela Alves, de 23 anos, cofundadora do Perifa Sustentável, coletivo que visa mobilizar juventudes em prol de uma nova agenda de desenvolvimento para o Brasil a partir da justiça ambiental e racial, contou que sempre gostou de mobilizar as pessoas para ocupar os espaços públicos. Nascida e criada na periferia de São Paulo, entrou para a faculdade de Ciências Sociais para entender melhor como aconteciam as desigualdades. Inicialmente, chegou a pensar que o mundo era um lugar muito ruim e que não era possível fazer nada. Foi quando começou a trabalhar em um Instituto Socioambiental e descobriu que era preciso agir em rede. “Compreendi que, em rede, eu poderia atuar. Como disse a escritora Bell Hooks, quando nasci dois fatores me determinaram: sou mulher e sou mulher preta. E, assim, fui me empoderando, me aproximando de alguns movimentos durante a graduação e a perceber que poderia fazer algo. E aí veio o Perifa Sustentável. Então, descobri que preciso estruturar meu conhecimento, mobilizar e trocar, mas em rede. Então, ativismo pra mim é o autodescobrimento de minha própria potência, porque o racismo estrutural acaba nos afetando. Mas mais que isso é nadar contra a corrente de que o indivíduo sozinho basta. Ativismo, pra mim, é um meio de continuar aprendendo a empoderar minha existência e ajudar as pessoas à minha volta a se empoderar também”, destacou Gabriela.

Atuação- As convidadas também comentaram sobre as atividades dos movimentos em que atuam. Gabriela Brasiliae falou sobre a Greve Geral convocada pelo Fridays for Future para o dia 25 de março, que tem por objetivo chamar atenção para a questão climática. “A hastag deste ano é ‘pessoas, não lucro’. É um dia para refletir sobre questões que, na rotina do capitalismo, a gente não consegue parar para pensar”, diz.

Amanda comentou sobre sua recente participação no programa de ativismo climático Muvuca. “Veio em um momento importante porque aconteceu quando as atividades presenciais da universidade estavam suspensas. Então, quando recebi o e-mail falando sobre o programa foi uma felicidade. Tivemos formação política, mobilização tecnológica e fiz muitos contatos. Foi animador”, ressaltou.

Paloma relembrou sua participação na última Conferência do Clima e destacou que o mais interessante foi ver a juventude ocupando esse espaço.  “É um evento internacional para definir os rumos do planeta na questão do clima e é um desses espaços que a gente tem que ocupar”.

Gabriela Alves comentou sobre os desafios de fazer ativismo na periferia e enfatizou a importância de desenvolver uma escuta ativa. “Começo citando Racionais que diz: ‘da ponte para cá, o mundo é diferente’. É isso. Cada periferia é diferente e tem necessidade diferentes. E o principal desafio é fazer a transição do conhecimento, uma vez que há muitas gerações marginalizadas. Então, na periferia, muitas vezes, não existe articulação e conscientização sobre sua própria situação. É preciso ouvir a demanda, cruzar om a questão da mudança climática e fazer um projeto. E é preciso formar a periferia para que façam seus próprios projetos. E, assim, mudar as representações. O conhecimento pode mudar a vida”.

A ativista do Perifa também chamou a atenção para a importância de políticas públicas que possam garantir os direitos básicos da população. “Para que a periferia possa pensar, é preciso garantir as condições básicas, como moradia, alimentação. Empoderar para que os indivíduos que moram na periferia possam ir bater na porta da prefeitura”. Amanda, do Levante, reforçou: “Na Amazônia, não tem tanta gente mobilizada porque as pessoas estão preocupadas com a sobrevivência. Então, criar essa consciência ambiental é um processo mais difícil, trabalho de formiguinha”, avaliou.

Dicas- Finalizando as atividades, as convidadas deram dicas para quem quer se tornar ativista. Para Gabriela Brasilae, é importante buscar conhecimento científico. “Primeiro, é ter a ciência ao seu lado para ir com tranquilidade. A partir daí, dialogar, conhecer as diversas realidades, fazer o que está a seu alcance, sempre respeitando as histórias das pessoas”, pontuou.

Amanda afirmou que a dica é estudar e ser aproximar de movimentos sociais. “Ser ativista é estar ativo em uma pauta, estudar e falar sobre ela.  Então, é preciso estudar e continuar falando para as pessoas. E lembrar que gente também tem muito que aprender com as pessoas. E tem que ter paciência, pois nem todo mundo teve oportunidade de aprender o que a gente já sabe”.

Gabriela Alves resumiu em uma palavra: “Faça”. Para a ativista, a dica é colocar em prática, sem ficar pensando muito se está perfeito, se você sabe fazer. “Não se autossabote. É sobre fazer, levar, compartilhar. Cada um pode contribuir de uma forma diferente. E isso ajuda no nosso próprio autodesenvolvimento, a se autodescobrir”.

Paloma repassou dicas que aprendeu com dois mestres. “Com Davi Yanomami, aprendi que é preciso lutar com alegria. Porque, como diz ele, se a gente deixar de dançar, sorrir, pintar o corpo, é porque o mercado venceu. E com o cacique Raoni, aprendi que a gente precisa ser semente. Plantar agora para construir o futuro. Reflorestar é ser semente por onde passa”.

Em nome do projeto sobre ativismo ambiental, a também jovem cientista Sthepanie dos Santos Cabral agradeceu às participantes e destacou que os depoimentos de cada uma delas são pura inspiração. “Não foi por acaso a escolha dessas meninas para estarem aqui hoje. Enquanto mulher preta que veio da periferia, as falas aqui, hoje, me abriram muitos campos de como posso ser útil. As falas mostram que ideias podem ser transformar em ações, e ações podem se tornar políticas públicas”, ressaltou.

O vídeo com o encontro virtual na íntegra está disponível no Youtube da VideoSaúde.

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