13/10/2021
O marco legal do saneamento, que define as regras para a prestação dos serviços de fornecimento de água e esgoto no Brasil, sofreu uma série de modificações, a partir da aprovação da lei 14.026, em julho de 2020. Entre as mudanças, está o forte incentivo para a expansão da prestação de serviços por empresas privadas, trazendo preocupações quanto à capacidade desse modelo de cumprir com os direitos humanos à água e ao saneamento. Para acompanhar esse processo de privatização que se aprofunda no país, o Grupo de Políticas Públicas e Direitos Humanos em Saúde e Saneamento da Fiocruz Minas está realizando um mapeamento da prestação privada de água e saneamento no Brasil. Os pesquisadores já verificaram os municípios que contam com serviços privados e analisaram os indicadores sociais e econômicos dessas localidades.
“Nosso objetivo é identificar os municípios onde as empresas privadas atuam e verificar qual a relação do modelo de atuação com a garantia do direito humano a esses serviços. Estudos anteriores apontam que a busca pela maximização de lucro pode ser o maior objetivo das empresas, comprometendo, com isso, o cumprimento do direito ao acesso à água e ao esgotamento sanitário. Daí a importância de acompanhar esse processo que se intensifica e verificar como a privatização acontecerá no país”, explica a pesquisadora Priscila Neves, do Grupo de Políticas Públicas e Direitos Humanos em Saúde e Saneamento da Fiocruz Minas.
Para fazer o mapeamento, os pesquisadores se basearam em dados disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (SNIS) e pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON). O grupo analisou as principais características socioeconômicas e demográficas dos 236 municípios brasileiros onde os serviços de fornecimento de água e esgotamento sanitário são prestados por empresas privadas. Os resultados mostraram que, em geral, tais empresas estão estabelecidas nos municípios mais populosos, indicando que elas podem ter uma predileção por cidades de grande porte e mais lucrativas, evitando as cidades menos populosas.
Outro aspecto verificado pela análise foi o índice de desenvolvimento humano (IDH) dos municípios com prestação privada. De acordo com os resultados, tais cidades têm IDH acima da média em todas as macrorregiões do país. Além disso, observou-se que, para a média dos municípios com prestação privada, a proporção de população em situação de vulnerabilidade é menor, sinalizando que as empresas privadas, atualmente, tendem a atuar em localidades bem desenvolvidas. O estudo constatou ainda que a média dos municípios com prestação privada tem maior renda per capita, em todas as regiões do país.
As análises sugerem que, ao atuarem, preferencialmente, em municípios prósperos, as empresas estejam buscando a maximização dos lucros, pois, nesse caso, evitam muitas inadimplências com relação ao pagamento da tarifa. Isso mostra que a privatização poderá onerar o Estado, que terá que arcar com o fornecimento desses serviços nas regiões que sejam preteridas pelo setor privado, sem poder contar com o lucro gerado pela prestação de serviço nos municípios com maior renda per capita.
Outro ponto que merece atenção, segundo os pesquisadores, é que, ainda que as companhias privadas atendam cidades menores, existe a possibilidade de haver um desequilíbrio de poder, já que gestores de pequenos municípios terão que negociar com as grandes multinacionais que operam nesse ramo. Deve-se destacar ainda que os serviços de água e esgotamento sanitário são um monopólio natural, retirando do cidadão qualquer possibilidade de escolha sobre quem lhe prestará o serviço .
“Fornecimento de água e esgotamento sanitário não é como telefonia, em que se tem mais de uma operadora oferecendo serviços. No caso de água e esgoto, não tem concorrência. É apenas uma empresa que oferecerá o serviço”, destaca Priscila.
Intitulado “Mapeamento da prestação privada de água e esgotos no Brasil: características sociodemográficas, indicadores de desempenho e impactos na saúde”, o estudo foi viabilizado com recursos de emendas impositivas destinadas pelo mandato da deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG), por meio de chamada pública.
Av. Augusto de Lima, 1715 e 1520 Belo Horizonte, MG, CEP: 30.190-009
(31) 3349 - 7700 (Geral) - (31) 3349 - 7712 (Ambulatório)
Para imprensa: comunicacao.minas@fiocruz.br
Copyright ©️ | Todos os direitos reservados ao Instituto René Rachou Fiocruz Minas