Com o auditório lotado, a Fiocruz Minas iniciou, nessa segunda-feira (27/5), a 32ª edição da Reunião Anual de Iniciação Científica (Raic), evento que reúne estudantes e pesquisadores para discutir projetos em andamento e trocar conhecimentos. A cerimônia de abertura contou com a presença do pesquisador da Fiocruz Rivaldo Venâncio, que ministrou uma palestra com o tema Reflexões sobre as atuais epidemias de arboviroses no Brasil. Ao celebrar o início das atividades, o diretor do IRR, Roberto Sena Rocha, agradeceu a participação do pesquisador e destacou a importância da Raic.
“Agradeço a presença do Rivaldo aqui no IRR neste dia de hoje, pois é muito importante para a unidade debater sobre as arboviroses. Quero dizer que estou muito feliz por estar abrindo este evento, em que vocês, estudantes, vão poder mostrar os trabalhos que estão desenvolvendo e compartilhar experiências, o que é fundamental para a formação. E aproveito para chamar a atenção para o retorno do Provoc [Programa de Vocação Científica], que permite que alunos de ensino médio sejam picados pela mosquinha azul da ciência. Agradeço, então, a presença de cada pessoa e desejo uma semana muito produtiva para vocês”, afirmou.
A vice-diretora de Ensino, Informação e Comunicação, Rita de Cássia Moreira de Souza, ressaltou que a Iniciação Científica (IC) é uma oportunidade de integrar os conhecimentos acadêmicos com o universo da pesquisa científica, com possibilidade de desenvolver a inovação e o pensamento crítico, entre outros. Agradecendo a todas as pessoas que contribuíram para a realização da Raic, ela reforçou a importância do evento para a formação dos estudantes. “A Raic é um momento de mobilização e integração, que vem crescendo a cada ano. Nesta edição, são 89 apresentações, sendo 68 orais e 21 em pôster. Também estão envolvidos nesta atividade 52 pesquisadores, sendo do IRR e, também, de outras instituições parceiras Por isso, agradeço a cada um dos envolvidos na organização, cerca de 40 pessoas, que me ajudaram a preparar tudo com muito carinho”, disse a vice-diretora, antes de apresentar o palestrante.
O pesquisador Rivaldo Venâncio, que nos últimos anos esteve à frente da Coordenação de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, iniciou sua apresentação anunciando que está deixando a Fundação para assumir o cargo de secretário-adjunto de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde. Antes de começar a falar sobre as arboviroses, ele ressaltou a alegria por estar na unidade. “Tenho imensa satisfação de estar aqui. Já disse, em outras vezes, que comecei minha vida profissional em Minas Gerais, acompanhando o prof. Coura, no Vale do Jequitinhonha, onde aprendi muito, como profissional, como pessoa, e, por isso, estou muito contente por estar aqui hoje”, destacou.
Ao introduzir o tema arboviroses, Rivaldo ressaltou a importância de olhar para a pesquisa científica de forma mais ampla e lembrar que o aumento da expectativa de vida se deve não somente aos estudos na área de saúde, mas também em outros campos, como agricultura, eletroeletrônicos e vários outros. “Então, é preciso olhar a ciência como um todo e não achar que se refere apenas à área da saúde”, afirmou.
Fazendo um retrospecto sobre as arboviroses, Rivaldo mostrou estudos relacionados à dengue desenvolvidos ainda no século XIX, quando a doença era chamada de polca. O pesquisador citou também uma série de artigos publicados no século XX, entre eles um de 1952, que trata sobre a ocorrência da dengue durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse texto, segundo Rivaldo, um grupo de pesquisadores americanos identifica a existência de dois sorotipos e chama a atenção para a necessidade da vacina e de testes de diagnóstico. Em outro artigo citado por Rivaldo, já de 2019, um estudo do qual ele fez parte, descreve os resultados de testes realizados para verificar a eficácia de uma vacina contra a dengue, a mesma que atualmente está sendo oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para algumas faixas etárias. “Isso mostra que estamos falando de uma enfermidade que vem de longa data. E mostra também quanto foi trabalhoso obter a vacina contra essa doença. Não estamos falando de uma vacina simples porque, na verdade, são quatro vacinas, já que há quatro sorotipos”, explicou.
Em relação à Chikungunya, Rivaldo contou que, em 2009, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já procurava preparar um plano de resposta diante da iminência da entrada da doença nas Américas, o que viria a ocorrer em 2013. “No Brasil, a Chikungunya chegou em agosto de 2014, e eu até gostaria de encontrar as pessoas com quem conversei nessa época para desdizer várias coisas que disse sobre a doença”, brincou. “E isso é o bonito da ciência: vão surgindo novos conhecimentos, e a gente está sempre aprendendo”, disse.
Rivaldo apresentou também um artigo de 1952, tratando sobre achados de 1947, que descreve o isolamento de um vírus encontrado em macacos de uma floresta em Uganda, que causava uma doença tendo o prurido como principal característica. Depois viria a se saber se tratar da Zika. “Em 2015, tivemos a descoberta da microcefalia associada à Zika. Uma pesquisadora da Fiocruz, Patrícia Brasil, deu uma contribuição gigantesca porque já acompanhava uma coorte de gestantes há 10 anos e conseguiu, rapidamente, identificar uma síndrome congênita relacionada ao zika que causa manifestações clínicas decorrentes do seu efeito no sistema nervoso central (SNC) dos bebês, além da microcefalia”, comentou.
Rivaldo também mencionou a febre de Oropouche, lembrando que, em fevereiro deste ano, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), fez um alerta sobre o crescimento da doença. No Brasil, já são cinco mil casos. “Já temos casos autóctones confirmados na Bahia, Pernambuco, Tocantins e Mato Grosso. Desconfio que o vírus causador dessa arbovirose já circula há algum tempo. Mas não tínhamos testes de diagnósticos disponíveis e, então, a gente não encontra o que não procura”, disse.
Segundo o pesquisador, para entender as atuais epidemias, é preciso considerar quatro premissas: a primeira é que as epidemias vão continuar ocorrendo, enquanto não houver tecnologia para o controle de vetores ou vacina. “Temos o Método Wolbachia, que ainda não é produzido em escala necessária. O mesmo vale para a vacina. Não tenham a ilusão de que essas duas tecnologias possam ser usadas em larga escala”, afirmou. A segunda é que as epidemias são graves problemas de saúde pública, cuja origem e solução estão além do Sistema Único de Saúde, pois há fatores que estão fora da governança do SUS. A terceira é que as epidemias são previsíveis, a partir de dados de suscetibilidades das populações, circulação de sorotipos, de índices de infestação vetorial e casos notificados. A quarta premissa é que, durante as epidemias de dengue, a maioria das mortes delas decorrentes são evitáveis, já que 95% dos casos são tratados apenas com hidratação. “O tratamento para essas doenças é a base de água. O que não podemos admitir é a demora de 6 a 7 horas para que as pessoas recebam atendimento. Isso é inadmissível”, ressaltou.
Rivaldo traçou um panorama sobre a situação das arboviroses no Brasil em 2024. Em relação à dengue, já são cerca de 5.240.000 casos, tendo 3038 mortes confirmadas e 2679 em investigação. Em Minas Gerais, já são 1.470.000 casos, com 525 mortes. Em Brasília, há um óbito a cada 700 casos, enquanto, no Rio de Janeiro, onde foram instalados postos de hidratação desde o início do ano, há uma morte a cada sete mil casos. “Isso mostra que as mortes são evitáveis e que, para isso, a organização da rede assistencial é fundamental”, enfatizou o pesquisador. Em relação à Chikungunya, são 196.793 casos, com 107 óbitos, em todo o Brasil. Desse total, 122.379 casos ocorreram em Minas Gerais, onde houve 64 mortes já confirmadas.
Rivaldo também apresentou os determinantes socioambientais associados à ocorrência das epidemias: aumento dos índices pluviométricos, elevação da temperatura ambiental, aquecimento global, deficiência no serviço de abastecimento de água e na coleta de lixo. “É inconcebível que a 8ª economia mundial ainda sofra com falta de água e não consiga dar destinação adequada ao lixo. As pessoas vão pegar e armazenar essa água em algum lugar, que vai se transformar em focos de proliferação do mosquito. O mesmo vale para o lixo urbano”, ressaltou. Ainda conforme o pesquisador, somam-se a essas questões a desigualdade social, bem como a violência urbana, que leva à suspensão das atividades de saúde, como a dos agentes de combate a endemias, durante períodos mais violentos.
Citando artigos publicados por pesquisadores da Fiocruz, Rivaldo lembrou aos alunos de IC que a pesquisa científica é a base para superar as epidemias. “Essa é a contribuição que a ciência vai trazer para a sociedade, cada um de vocês junto com seus orientadores. Nós vamos dar a nossa contribuição no nosso momento histórico. Se hoje fazemos alguns procedimentos é porque, décadas antes, algumas pessoas criaram o microscópio”, disse.
Entre os desafios a serem superados na área de saúde, Rivaldo citou a necessidade de organizar a rede de atenção para evitar mortes, desenvolver novas tecnologias que possam produzidas em larga escala necessária, além de novas tecnologias para diagnóstico que auxiliem na vigilância. Ainda segundo o pesquisador, também é necessário estudar novos fármacos que possam ser usados no tratamento e desenvolver tecnologias preditoras que alertem sobre epidemias com antecedência. “E, enquanto sociedade, precisamos superar a deficiência no abastecimento de água e também na coleta de lixo; temos também que superar o déficit habitacional e criar uma consciência coletiva de que não podemos admitir poucos vivendo com tanto e tantos vivendo com pouco”, afirmou. Para os cientistas, atuais e futuros, Rivaldo ressaltou: “Ao fazermos nossos estudos, não podemos esquecer que, para além de sujeitos de pesquisa, estamos diante de seres humanos. Essa é a mensagem que quero deixar para vocês”, finalizou.