Sociedade Brasileira de Medicina Tropical faz homenagem a pesquisador do IRR
O reconhecimento aos mais de 50 anos dedicados a pesquisas voltadas para a doença de Chagas rendeu ao pesquisador João Carlos Pinto Dias, da Fiocruz Minas, a Medalha do Mérito Científico Carlos Chagas. A homenagem, concedida pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, foi realizada neste domingo (27/8), durante a abertura do 53º Congresso de Medicina Tropical (MedTrop), um dos mais tradicionais eventos voltados para as doenças tropicais.
“É, sem dúvida, motivo de satisfação e alegria receber uma homenagem desta instituição muito querida por mim, que a vi nascer em Ribeirão Preto, ainda estudante de medicina, acompanhando-a desde então com afeto e admiração. Ela me oportunizou maravilhosos mestres, amigos e companheiros, motivo de extrema gratidão, recebendo-me mesmo como presidente, vice-presidente, conselheiro e editor. Muito aprendi, nos congressos, na revista e em dezenas de seminários, nestes 54 anos de convívio, tudo a me emocionar e fazer-me grato”, destacou o pesquisador ao saber da homenagem.
João Carlos nasceu em uma família de médicos e pesquisadores. O avô, Ezequiel Dias, foi colaborador direto de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas. O pai, Emmanuel Dias, esteve à frente de importantes trabalhos relacionados ao estudo da doença e do controle da doença de Chagas. A ideia de que a educação sanitária poderia ser uma ferramenta eficiente de combate à doença foi uma das bandeiras da família e passaria a ser defendida também por João Carlos desde que se formou em medicina, em 1963.
Foi com esse entendimento que, na década de 70, João Carlos daria início a um trabalho no município de Bambuí, adotando uma metodologia transformadora para a época, que era o envolvimento da comunidade no combate ao vetor. Naquele tempo, quase 50% da população de Bambuí tinha a doença de Chagas e, então, seguindo a trilha proposta por educadores como Paulo Freire, João Carlos desenvolveu um trabalho embasado na experiência do indivíduo, envolvendo professores e alunos de escolas rurais.
“As crianças eram orientadas e estimuladas a reconhecer o barbeiro dentro de casa e a passar isso para toda a família. Foi um trabalho que contou com participação das três esferas de governo- município, Estado, União-, antecipando o que seria no futuro o Sistema Único de Saúde (SUS)”, conta a pesquisadora Lileia Diotaiuti, uma das primeiras mestrandas estudantes orientadas pelo médico, hoje líder do Grupo de Triatomíneos da Fiocruz Minas.
Outro importante trabalho realizado foi o desenvolvimento de um método de controle da transmissão da doença de Chagas por transfusão sanguínea, nos anos 80, quando os bancos de sangue não eram estruturados como hoje. Com a metodologia proposta por João Carlos, criou-se um cadastro de doadores de sangue em Minas Gerais, passando-se a realizar no doador exames de diagnóstico de algumas doenças, entre elas a de Chagas, a cada seis meses. Essas medidas estimularam a criação do Laboratório de Parasitologia da Fundação Ezequiel Dias (Funed), hoje referência para diagnóstico da doença de Chagas no Brasil. O método também deu origem ao ambulatório para atendimento de pacientes chagásicos, instalado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), visando encaminhar os doadores que tivessem resultado positivo.
Juntamente com Chris Schofield ( London School of Hygiene and Tropical Medicine), João Carlos foi também o idealizador da proposta de eliminação do Triatoma infestans dos países do Cone Sul, posteriormente implementada pela Organização Pan-americana de Saúde (Opas), em 1991.Em publicação sobre os avanços desta iniciativa em 2002, o pesquisador escreveu a respeito do Brasil. Em cerca de 100 páginas, traçou um panorama histórico sobre o controle da doença no Brasil e propôs uma série de ações de controle. Todas as propostas feitas por ele ainda são consideradas desafios a serem superados, mostrando a atualidade das análises 15 anos depois.
Até 2014, o pesquisador publicou 226 artigos científicos, 13 livros e 86 capítulos de livros. João Carlos também orientou vários alunos de especialização, mestrado e doutorado. Ao longo de sua trajetória, recebeu 47 prêmios, concedidos por renomadas instituições da área de saúde de diversos países do mundo.
Pesquisador emérito da Fiocruz, João Carlos teve papel fundamental na estruturação de serviços de atenção ao paciente com Chagas e no controle desta doença, através do desenvolvimento de uma pesquisa social e politicamente comprometida com os interesses da população.
“O nosso laboratório segue os passos de João Carlos na interação da pesquisa com as atividades de controle, buscando no campo as perguntas para serem investigadas no laboratório”, destaca Lileia.