A Fiocruz concedeu, nessa terça-feira (16/12), o título de Doutor Honoris Causa ao cantor e compositor Milton Nascimento, um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira. A cerimônia foi realizada no auditório da Fiocruz Minas, em Belo Horizonte, e contou com a presença de autoridades, pesquisadores, trabalhadores da instituição e convidados. O artista foi representado pelo maestro Wilson Lopes, integrante de sua banda há mais de quatro décadas. Durante a abertura do evento, o coral FioCantos de Minas apresentou as músicas Maria Maria, Caçador de mim e, instrumentalmente, Canção da América.
A homenagem, aprovada por unanimidade pelo Conselho Deliberativo da Fiocruz, reconhece a relevância da obra de Milton Nascimento como instrumento de resistência, denúncia social, afirmação de identidades e defesa dos direitos humanos ao longo de mais de seis décadas de trajetória artística. Desde o início da carreira, o músico utilizou a arte como forma de enfrentamento às injustiças sociais, especialmente durante a ditadura militar brasileira, quando transformou a censura em linguagem estética por meio de experimentalismos sonoros, metáforas e recursos poéticos.

Durante a cerimônia, a diretora da Fiocruz Minas, Cristiana Brito, destacou a relação profunda entre cultura, arte e saúde, ressaltando que a escolha de Milton Nascimento dialoga diretamente com o conceito ampliado de saúde defendido pela instituição. “Uma das perguntas que sempre surge é o que um músico tem a ver com a Fiocruz. E a resposta está no nosso entendimento de saúde, que inclui os determinantes sociais e reconhece a cultura como elemento fundante. Milton não é apenas um ícone artístico; é uma referência de engajamento político e defesa de pautas sociais”, afirmou. Segundo ela, a trajetória do artista “transcende fronteiras e inspira gerações, trazendo à música um ponto permanente de esperança e resistência”.
A obra de Milton Nascimento é marcada por canções que se tornaram símbolos de luta e transformação social, como Milagre dos Peixes (1974), em que vocalizações substituíram letras censuradas; Maria, Maria (1978), hino de valorização das mulheres, especialmente das mulheres negras; Missa dos Quilombos (1981), que celebra a força e a espiritualidade dos povos negros e pobres da Terra; e Coração de Estudante (1983), associada às Diretas Já e aos movimentos democráticos no Brasil. Em San Vicente (1999), o artista reafirmou seu olhar latino-americano, conectando referências musicais, históricas e políticas do continente.
Outro eixo central de sua trajetória é o compromisso com os povos indígenas. Desde os anos 1970, Milton construiu laços com diferentes etnias, experiência que deu origem ao projeto Txai, lançado em 1991 após convivência com povos da floresta no Acre, especialmente os Ashaninka. Em 2010, foi batizado pelos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, reafirmando seu compromisso com a defesa dos territórios e da sobrevivência física e cultural dos povos originários.
Representando a Presidência da Fiocruz, a coordenadora de relações interinstitucionais da Fundação, Zélia Profeta, ressaltou que a concessão do título a Milton Nascimento reafirma o papel da instituição na defesa da democracia, da cidadania e da vida. “Autores como Milton Nascimento nos ajudam a construir cidadania. Por meio de sua arte, Milton realiza um trabalho de resistência, de denúncia, de defesa da democracia e do respeito aos povos”, afirmou. Para Zélia, em contextos de crise política, social e sanitária, “a cultura e a música são fundamentais para a saúde mental, para a construção de memória e para fortalecer os vínculos sociais”.
Emocionado, o maestro Wilson Lopes contou um pouco sobre sua história com Milton Nascimento, relembrando como conheceu o artista e se tornaram não somente parceiros musicais, mas, principalmente, grandes amigos. Ele agradeceu a homenagem em nome do músico e destacou a dimensão humana e artística de Milton Nascimento. “Estou honradíssimo de estar aqui representando o meu ídolo maior. Milton é um artista de uma grandeza imensa, não só musical, mas humana. A obra dele é estudada e reverenciada no mundo inteiro, e o Brasil ainda precisa reconhecer plenamente o tamanho do gênio que ele é”, afirmou. Segundo o maestro, o encontro entre Milton Nascimento e a Fiocruz simboliza o diálogo entre grandes legados. “Os tamanhos se encontram. A arte, a ciência e a saúde caminham juntas quando o objetivo é a defesa da vida”, completou.
Milton Nascimento nasceu no Rio de Janeiro, em 26 de outubro de 1942. Órfão de mãe ainda bebê, cresceu em Minas Gerais, onde teve sua formação musical incentivada pelos pais adotivos, Lília e Josino Campos. Aos 13 anos ganhou o primeiro violão e, na juventude, integrou o movimento que daria origem ao Clube da Esquina, ao lado de Lô Borges, Beto Guedes, Márcio Borges e Fernando Brant, revolucionando a música brasileira e projetando Minas Gerais no cenário internacional. Ao longo da carreira, lançou cerca de 47 álbuns, participou de 13 filmes, conquistou quatro prêmios Grammy e consolidou-se como um dos artistas brasileiros mais respeitados no Brasil e no exterior.