Seminário discute impactos sociais da epidemia de Zika

11/04/2018

Pesquisadores, gestores e representantes da sociedade civil participaram, na última quinta-feira (12/4), do Seminário Pensando a Zika pelas lentes das Ciências Sociais: integrando ciência, políticas e sociedade civil. O evento, promovido pela Fiocruz Minas em parceria com a Rede Zika Ciências Sociais, debateu os diversos aspectos sociais que envolvem a doença, enfatizando os impactos gerados por ela. “Este evento tem um significado especial por contar com a Rede Zika de Ciências Sociais, que tem uma atuação fundamental na discussão das consequências da epidemia para a sociedade. E tem também um significado importante por estar acontecendo em um momento de perdas de direitos e de enfraquecimento da democracia. Nesse sentido, é muito bom podermos sediar esse debate, que nos ajudará a superar os desafios”, afirmou a diretora Zélia Profeta, durante a abertura das atividades. Presente no seminário, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, destacou a importância da Rede Zika de Ciências Sociais, espaço de articulação que une esforços nacionais e internacionais para o enfrentamento da doença. Ela também reforçou a necessidade da discussão, especialmente neste período em que o Sistema Único de Saúde (SUS) está ameaçado. “Ao colocar entre suas discussões a questão dos direitos das crianças afetadas pela síndrome congênita do Zika e de suas famílias, o seminário coloca em debate a defesa do SUS, que é também um sistema de proteção dos direitos sociais. Eventos como esse me deixam com mais esperança e o sentimento de que estamos no caminho certo”, destacou Nísia. Também estiveram presentes na abertura o presidente da Fundação João Pinheiro, Roberto do Nascimento Rodrigues, e o diretor-geral da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, Edvalth Rodrigues Pereira. Sociedade civil- Uma roda de conversa entre mulheres do campo e da cidade abriu os debates. A presidente da União Mães de Anjos –UMA- de Pernambuco (entidade de representação das famílias de crianças com microcefalia), Germana Soares, fez um relato emocionante sobre sua experiência pessoal. Mãe de Guilherme, uma das centenas de crianças nascidas em 2016 com a síndrome congênita do Zika, ela contou que a criação da associação tem ajudado a enfrentar os desafios da doença no contexto das famílias. “Hoje, posso dizer que tenho uma outra família, formada por todas as mães de crianças com microcefalia. É com elas que divido as angústias e também as muitas alegrias de ser mãe de uma criança com deficiência. Na verdade, também tenho aprendido que todos nós somos deficiente em algo; todos nós temos limitações”, ressaltou. Germana falou sobre a luta para criar a UMA, que hoje conta com 391 mães associadas e é referência para mães de outros estados, inclusive Minas Gerais. Ela também contou como vem conseguindo superar os preconceitos que envolvem a doença. “Entendi que o preconceito estava, primeiramente, dentro de mim e, para isso, era preciso resolver essa questão comigo mesma. Quando consegui fazer isso, me libertei do preconceito de todas as outras pessoas”, avaliou. “Agora, a luta é contra o sistema. O sistema que precisa garantir uma série de direitos que não estão sendo respeitados”, salientou. A representante da Associação Mães de Anjos de Minas (AMAM), Jéssica Mesquita, contou como está sendo o processo de criação da entidade que, assim como a UMA, tem como principal objetivo atuar na articulação junto ao poder público a fim de garantir políticas públicas voltadas para a assistência dessas crianças e suas famílias, bem como para a inclusão. Jéssica fez um relato comovente sobre os motivos que a levaram a estar à frente da AMAM. “Precisei ressignificar a dor de perder minha filha, meu anjo, Maria Alícia, que nasceu com microcefalia e morreu aos 9 meses de idade”, contou. “Hoje, me sinto um pouco mãe e tia de todas essas crianças. A luta de cada uma delas é também a minha luta”, afirmou. Foi a primeira vez que Germana e Jéssica se encontraram e puderam comartilhar experiências sobre suas lutas diárias com as crianças e sobre a criação das associações em seus respectivos estados. A pesquisadora Ângela Volpini, primeiro contato entre as mães de crianças com microcefalia de Minas Gerais e a Fiocruz Minas, falou sobre a satisfação de ter feito essa interface e reforçou o interesse da Fiocruz em contribuir para auxiliar no acesso dessas famílias a seus direitos sociais. Ela também enfatizou a importância das ações de prevenção por parte do poder público. “É preciso refletir sobre quais aspectos erramos enquanto instituição de estado. E mais do que isso: pensar sobre o que estamos fazendo para evitar que a epidemia se repita”, provocou. A doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Berenice de Freitas Diniz, apresentou o Ativando Redes de Solidariedade, projeto de extensão que está sendo criado pela Fiocruz Minas com o objetivo de oferecer apoio à criação e organização da Associação Mães de Anjo de Minas Gerais. O projeto também faz parte do doutorado de Berenice e está dentro de uma proposta da Fiocruz Minas de vigilância comunitária, que visa trabalhar com a comunidade escolar para o enfrentamento da dengue, Zika e chikungunya. Como resultado, espera-se mobilizar a sociedade para esse problema e propor políticas públicas. A representante do Movimento Graal do Brasil, Articulação de Movimentos Sociais Feministas Mulheres do Campo, Maria Beatriz de Oliveira,  destacou a importância do seminário, trazendo múltiplos olhares. “O protagonismo da mulher nesses debates é uma contribuição importante no sentido de mudar essa estrutura patriarcal machista”, disse. Análises- A pesquisadora do Ilana Löwy, do Centre de Recherche Médecine, Sciences, Santé, Santé mentale, Société (Inserm-CNRS-EHESS /França), falou sobre as controvérsias que envolvem a Zika. Em sua apresentação, ela lembrou que a doença chegou ao Brasil de uma forma muito surpreendente e não se previu que ocorreria uma epidemia. Tudo isso, segundo ela, gerou uma série de dúvidas e discursos. “O discurso oficial, em muitos momentos, colocou a mulher no papel de vigilante, como se ela fosse a responsável por evitar a Zika. Também tivemos discursos responsabilizando o mosquito e muitos outros equívocos. Mas, por outro lado, também foi possível mostras os avanços da ciência brasileira”, destacou. O pesquisador Wanderson Kleber de Oliveira, da Fiocruz Brasília e do Ministério da Saúde, traçou um panorama sobre a epidemiologia da doença. Segundo ele, por se tratar de uma epidemia recente, o processo de avaliação das respostas dadas ainda está em andamento. “O primeiro teste laboratorial que constatou a presença do vírus ocorreu há apenas três anos, em abril de 2015. A partir daí, vimos a Organização Mundial de Saúde decretar situação de emergência em fevereiro de 2016, devido ao grande número de casos. E vimos, em 2017, declarar o fim da epidemia, após a redução das notificações”, afirmou. “Tudo aconteceu muito rápido e ainda não temos tempo suficiente que nos permita analisar a sazonalidade da doença”, ressaltou. Rede Zika- O pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/ Fiocruz), Gustavo Correa Matta, e a pesquisadora Lenir Nascimento apresentaram a Rede Zika de Ciências Sociais, consórcio que inclui pesquisadores de diversas instituições nacionais e internacionais, com o intuito de desenvolver trabalhos de forma colaborativa. “Percebemos que havia muita gente pesquisando sobre o tema e sentimos necessidade de trabalhar de forma mais articulada. Por isso, veio a ideia de identificar e mapear os estudos desenvolvidos, tarefa que ainda não concluímos”, destacou Gustavo, que também é coordenador da Rede. Ele ressaltou ainda a importância de refletir sobre a relação entre as famílias de crianças com a síndrome congênita do Zika e os pesquisadores. Para Gustavo, é preciso aproveitar a experiência da Zika para criar um documento que ajude a nortear as relações com as famílias de pacientes. “Este é o momento de pensar no engajamento público da ciência”, enfatizou. Projetos- Os pesquisadores João Nunes, da Universidade de York (Inglaterra); Maria José Nogueira, da Fundação João Pinheiro; e Denise Pimenta, da Fiocruz Minas, apresentaram o projeto Movimentos sociais feministas e a resposta à síndrome de Zika no Brasil: mitigando negligências por meio de abordagens centradas na comunidade. Trata-se de um estudo que envolve diferentes movimentos sociais feministas que têm as mulheres do campo como protagonistas e ainda agentes comunitários de saúde e gestores do estado. Como produtos desta pesquisa, já foram produzidos oito vídeos que tratam sobre a saúde da mulher, veiculados em forma de programa pela Rede Minas. E também será lançado, em breve, um livro que traz uma biografia coletiva de mulheres do campo, além de livretos que fazem um recorte dessas trajetórias com foco para o público infantil. O estudo também resultou em materiais voltados para os agentes de comunitários de saúde. Além disso, pretende-se elaborar um documento com os principais resultados, que possam subsidiar ações e estratégia no âmbito das políticas públicas para melhorar os aspectos identificados como problemáticos. “O objetivo desse estudo foi ouvir esses grupos e, mais do que isso, levar as demandas apontadas por eles a outras esferas, como a dos gestores públicos. Por isso, o próximo passo será unir todos esses atores sociais”, explicou a pesquisadora Denise Pimenta, organizadora do evento e coordenadora do projeto na Fiocruz Minas. A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco, Camila Pimentel, apresentou resultados preliminares de um estudo ainda em andamento que tem por objetivo avaliar os impactos sociais e econômicos da infecção pelo Zika vírus no Brasil. A pesquisa se baseia em entrevistas feitas com mães de crianças com microcefalia, profissionais de saúde, cuidadores de bebês, gestantes e homens. “As reflexões ainda estão em construção porque o estudo ainda não foi concluído. Mas, inicialmente, já pudemos constatar que a epidemia gerou um impacto na vida e na autonomia das mulheres, além de um sentimento de pânico entre a população. E esses efeitos ainda permanecem na vida das pessoas”, relatou.  

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