Um novo composto químico, desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz Minas em parceria com outras instituições, pode representar um avanço significativo no tratamento das leishmanioses, doenças negligenciadas que afetam principalmente populações em situação de vulnerabilidade. Chamado SbVT4MPP, o composto é resultado da combinação do antimônio pentavalente (SbV) com uma estrutura conhecida como porfirina, formando uma substância com forte ação contra diferentes espécies do parasito Leishmania.
Nos testes realizados em células cultivadas em laboratório, o SbVT4MPP demonstrou ser até 170 vezes mais potente que os medicamentos convencionais, sendo eficaz em baixas concentrações e específico contra os parasitos. O composto atuou contra diferentes espécies de Leishmania e foi capaz de ressensibilizar até mesmo parasitos resistentes, ou seja, cepas que não respondiam mais ao antimônio convencional se tornaram vulneráveis ao tratamento. Essa propriedade abre novas perspectivas para o enfrentamento da resistência medicamentosa, um dos maiores desafios no combate às leishmanioses atualmente.
Por meio do estudo, os cientistas também conseguiram compreender o modo de ação da SbVT4MPP. Segundo pesquisador da Fiocruz Minas Rubens Lima do Monte Neto, a molécula atua interrompendo a produção de ergosterol, um componente essencial da membrana celular dos parasitos. Sem essa proteção, a Leishmania torna-se mais sensível ao estresse causado pelos medicamentos, o que leva à sua destruição. Além disso, o alvo associado ao modo de ação do composto – uma enzima conhecida como 24-esterol-C-metil-transferase (24-SMT), codificada pelo gene ERG6 – está ausente em células de mamíferos, o que aumentaria a seletividade do tratamento e reduziria a possibilidade de efeitos adversos em pacientes.
O novo composto também foi testado em camundongos infectados com Leishmania donovani, espécie causadora da leishmaniose visceral, a forma mais grave da doença. O tratamento reduziu em 96% a carga parasitária no fígado dos animais, reforçando o potencial terapêutico do SbVT4MPP.
Com resultados considerados promissores, a equipe responsável pela pesquisa acredita que o SbVT4MPP poderá se tornar uma alternativa ao tratamento das leishmanioses, mas ressalta que ainda são necessários muitos estudos. “Estudar novas modalidades de tratamento é fundamental porque, no caso das leishmanioses, não há um medicamento novo disponível há muitos anos”, explica Rubens.
Segundo o pesquisador, embora haja um grande volume de pesquisas em fase pré-clínica, o avanço para os testes em humanos ainda esbarra em barreiras financeiras e regulatórias. “É o que chamamos de ‘vale da morte’ no desenvolvimento de fármacos. Existem alguns candidatos promissores em fase clínica, mas nenhum chegou ao mercado até agora. Nosso estudo, por exemplo, está em fase pré-clínica e precisa de investimentos para avançar, inclusive em formulações alternativas, como as de uso oral. Dessa forma, muitas pesquisas ainda serão necessárias até chegar na fase clínica, que é quando ocorrem testes em seres humanos”, diz.
Além dos pesquisadores da Fiocruz, o trabalho contou com a participação de cientistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Paris-Saclay (França) e Universidade de Montréal (Canadá). O estudo foi publicado recentemente na revista Biomedicine & Pharmacotherapy.

Sobre as leishmanioses
As leishmanioses podem ser classificadas em em dois principais tipos: tegumentar, que acomete a pele e as mucosas; e visceral, que afeta órgãos internos, como fígado e baço. A doença é causada por protozoários parasitos que infectam principalmente roedores e cães e são transmitidos ao homem pelas fêmeas de flebotomíneos, popularmente conhecidos como mosquito palha, cangalhinha e birigui.
A leishmaniose visceral é uma doença parasitária sistêmica, caracterizada por febre de longa duração, aumento do fígado e baço, perda de peso, fraqueza, redução da força muscular, anemia e outras manifestações.
Já no caso da leishmaniose tegumentar, o principal sintoma é o aparecimento das feridas na pele. Geralmente, a lesão aparece pequena, de forma arredondada, profunda, avermelhada e cresce progressivamente com o passar dos dias. No caso da forma mucocutânea, as feridas aparecem na mucosa nasal e oral, afetando a região orofaríngea podendo apresentar lesões ulceradas e deformidades nessas áreas.