Alexandre José Fernandes em seu projeto de infecção experimental de caprinos
A cidade de Bambuí, em Minas Gerais, é um histórico polo de pesquisa sobre a doença de Chagas. No Centro de Estudos e Profilaxia da Moléstia de Chagas, fundado em 1943 e posteriormente renomeado como Posto Avançado de Pesquisas Emmanuel Dias (PAED), trabalharam pesquisadores renomados, como Emmanuel Dias, Genard Nóbrega, Francisco Laranja e João Carlos Pinto Dias.
Esses cientistas não apenas fundaram uma tradição no conhecimento sobre a doença de Chagas, como também inspiraram a formação de novas gerações de pesquisadores, a exemplo de Alexandre José Fernandes. Nascido em Bambuí, Alexandre frequentou o PAED desde criança, pois no local trabalharam seu pai, Alexandrino Fernandes e sua tia, Teresinha Simões. Ali ele também conheceu o pesquisador João Carlos Pinto Dias, cientista e médico, referência mundial nos estudos sobre a doença. Alexandre começou a trabalhar no Posto, e segundo o médico João Moreira Magalhães, o jovem técnico auxiliava João Carlos Pinto Dias nas atividades de sorologia, na reação Machado-Guerreiro.[1]
Influenciado pelo ambiente experimental do PAED, Alexandre mudou-se para Belo Horizonte, onde cursou Biologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mesmo antes da graduação foi bolsista de apoio técnico do Instituto René Rachou (IRR), no então Laboratório de Triatomíneos e Epidemiologia da doença de Chagas. Ali conheceu, em 1978, a jovem pesquisadora Liléia Diotaiuti, da qual se tornou grande amigo.[2] Segundo Liléia, Alexandre desenvolvia diversas atividades de apoio a projetos, tanto do pesquisador João Carlos Pinto Dias como dos seus orientandos. Ele cuidava dos materiais, como lâminas e pipetas, atuava na criação e experimentação com barbeiros, além de auxiliar em testes de drogas.
Após a graduação, Alexandre permaneceu no Laboratório, ao mesmo tempo em que ingressou no mestrado no Departamento de Parasitologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), orientado por Egler Chiari e supervisionado por João Carlos Pinto Dias. Em 1989 defendeu a dissertação intitulada “Importância do Didelphis albiventris e Panstrongylus megistus na Interação dos Ciclos de Transmissão do Trypanosoma cruzi no Município de Bambuí, Minas Gerais, Brasil”. De acordo com Liléia esse estudo configurou um tema avançado à época, pois foram encontrados gambás silvestres infectados na glândula anal. Alexandre usou uma metodologia de ponta para o período, que era a biologia molecular, conseguindo demonstrar casos de autocura de gambás, evidência de que a relação do tripanosoma com os hospedeiros é bastante diversa.
Ao mesmo tempo em que realizava suas investigações no mestrado, Alexandre participava de projetos desenvolvidos no Laboratório de Biologia de Triatomíneos e Epidemiologia da doença de Chagas, estudando infecção experimental de caprinos (com dados de autocura) e cães com o Trypanosoma cruzi, além de incluir nas pesquisas carrapatos que acometiam esses cachorros.[3] Liléia comenta que as atividades de Alexandre evidenciavam o perfil de um cientista criativo e dedicado ao entendimento dos processos pesquisados, combinando duas habilidades, trabalho de campo e de bancada.
No ano de 1989, em razão de mudança na legislação federal, Alexandre passou a ser servidor do IRR. Logo deu início ao doutorado, também no Departamento de Parasitologia da UFMG, interessando-se pela ecoepidemiologia de triatomíneos, realizando vasto trabalho de campo na cidade de Porteirinha/MG, onde coletou amostras de sangue de pacientes e exemplares de triatomíneos. Infelizmente, por motivos de saúde, Alexandre não completou o doutorado, falecendo no ano de 1996. Liléia Diotaiuti conseguiu recuperar as amostras dos insetos capturados por Alexandre e publicou um artigo científico com o material, reconhecendo o pesquisador como um dos coautores do trabalho.[4]
O falecimento prematuro de Alexandre deixou muita saudade em seus familiares e amigos. Liléia recorda com carinho do tempo que conviveram como colegas de trabalho e da amizade cheia de afeto e confiança. Mas além das boas lembranças, Alexandre José Fernandes deixou como legado relevantes trabalhos na pesquisa da doença de Chagas, que até hoje abrem perspectivas para o entendimento da enfermidade.
Projeto Fiocruz Minas, patrimônio do Brasil: História, memória, ciência e comunidade
Agradecimento: Liléia Diotaiuti pela entrevista concedida no dia 29/05/2025, no IRR, Belo Horizonte.
[1] MAGALHÃES, João Moreira Soares. Entrevista concedida ao Projeto Memória: trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou. Entrevistadoras: Natascha Ostos e Cláudia Gersen. Belo Horizonte, residência do entrevistado, gravação de áudio. Data: 04/04/2025.
[2] DIOTAIUTI, Liléia Gonçalves. Entrevista concedida ao Projeto Memória: trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou. Entrevistadora: Cláudia Gersen. Belo Horizonte, IRR, gravação de áudio. Data: 29/05/2025.
[3] DIAS, J. C. P. et al. Ticks, ivermectin, and experimental Chagas disease. Memórias Do Instituto Oswaldo Cruz, vol. 100, n. 8, 2005, p. 829–832.
[4] DIOTAIUTI, Liléia; AZEREDO, Bernardino; BUSEK, S. C. U.; FERNANDES, Alexandre José . Controle do Triatoma sordida No Peridomicílio Rural do Município de Porteirinha, Minas Gerais, Brasil. Revista Panamericana de Salud Pública / Pan American Journal of Public Health, vol. 3, n.1, p. 21-25, 1998.