Fiocruz Minas apresenta diagnóstico sobre processos relacionados a vacinação e filas de serviços especializados em municípios mineiros

A Fiocruz Minas realiza, nos dias 24 e 25 de novembro, o seminário Diagnóstico dos processos relacionados à cobertura vacinal e filas de consultas e exames especializados em municípios mineiros selecionados. O evento tem por objetivo apresentar os resultados de um estudo extenso e detalhado, conduzido pelo Grupo de Pesquisa em Políticas de Saúde e Proteção Social (PSPS), que investigou como os serviços da Atenção Primária à Saúde (APS) e da Atenção Especializada (AES) se organizam em relação à sua gestão, regulação e modelo assistencial. As análises tomam como condições marcadoras dois desafios centrais enfrentados pelos municípios: a queda das coberturas vacinais e a formação de filas de espera para consultas e exames especializados. O seminário será na Associação Médica de Minas Gerais (Avenida João Pinheiro, 161, Centro), das 9h às 17h.

O evento reúne gestores municipais, representantes da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, Ministério da Saúde, universidades parceiras e especialistas da Fiocruz, com o objetivo de compartilhar diagnósticos, disseminar experiências bem-sucedidas e debater caminhos para aprimorar a organização do SUS nessas localidades. “A expectativa é de que as discussões contribuam para fortalecer processos de trabalho, bem como ampliar a adesão às prioridades dos programas federais e estaduais e, sobretudo, melhorar o cuidado em saúde nas regiões estudadas, com foco no aumento da cobertura vacinal e na qualificação do acompanhamento das filas de consultas e exames. Pretende-se, ainda, estimular a construção de projetos comuns, fomentando uma comunidade de práticas de gestão capaz de gerar aprendizado coletivo e soluções compartilhadas”, destaca o pesquisador Fausto Pereira dos Santos, coordenador do estudo.

Para a realização do diagnóstico, foram selecionados 31 municípios mineiros distribuídos em cinco microrregiões estratégicas: Belo Horizonte, Betim, Contagem, São João Del Rei e Barbacena. A escolha levou em conta indicadores demográficos e socioeconômicos, garantindo a diversidade do território mineiro em termos de porte populacional, índice de desenvolvimento humanos e presença de universidades parceiras.

Na microrregião de Belo Horizonte, participaram os municípios de Belo Horizonte, Santa Luzia, Caeté, Ribeirão das Neves, Moeda, Jaboticatubas e Sabará. Em Betim, o estudo envolveu Betim, Piedade das Gerais, Brumadinho, Florestal, Igarapé e Esmeraldas. Contagem reuniu Contagem, Ibirité e Sarzedo. Já a microrregião de São João Del Rei incluiu São João Del Rei, Coronel Xavier, Rezende Costa, Tiradentes, Santa Cruz de Minas, São Tiago, Barroso, Lagoa Dourada e Ritapólis. Por fim, o grupo de Barbacena contemplou Barbacena, Paiva, Ressaquinha, Carandaí, Ibertioga e Alto Rio Doce.

Entre abril e julho de 2025, equipes de pesquisa realizaram uma ampla coleta de dados primários, baseada em entrevistas e roteiros aplicados com gestores e técnicos municipais. O objetivo foi identificar fatores facilitadores e dificultadores da execução das ações de vacinação e da organização das filas de consultas e exames especializados. Esses dados foram cruzados com informações secundárias e, posteriormente, devolvidos aos municípios para validação e refinamento, num processo contínuo de construção conjunta.

Estruturas, práticas e desafios: O diagnóstico revela que a maioria dos municípios pode ampliar suas equipes de Saúde da Família: 70% têm margem para aumento, 26% já apresentam quantitativo considerado adequado e apenas 1 município possui equipes acima do preconizado. No planejamento das ações de vacinação, a integração entre Atenção Primária à Saúde (APS) e Vigilância em Saúde (VS) mostra-se predominante em 68% dos municípios, enquanto 13% concentram a organização na APS e repassam à VS. Em menor proporção, 10% têm a responsabilidade focada na APS, 6% concentram na VS e transferem à APS, e outros 3% possuem um setor de imunização independente com divisão de tarefas.

Para os pesquisadores, é fundamental que o planejamento das ações, bem como as capacitações, seja partilhado entre a APS e a VS, de forma a se aproveitar a expertise de cada área: a VS com dados importantes da cobertura vacinal e das doenças evitáveis pelas vacinas; já a APS com sua conexão com a comunidade para mudar a cultura de hesitação vacinal, dentre tantas outras funções das duas áreas.

Em relação ao modelo de aplicação das vacinas, 45% dos municípios adotam a descentralização para todas as unidades, 32% descentralizam apenas para algumas unidades e 23% mantêm a vacinação centralizada. Segundo os pesquisadores, a decisão sobre descentralizar ou não deve levar em conta barreiras geográficas, estrutura física, distância entre unidades, disponibilidade de pessoal capacitado e, sobretudo, as coberturas vacinais por território, que precisam orientar todo o processo decisório.

A maioria dos municípios (87%) afirma realizar capacitação para todos os profissionais envolvidos na imunização, embora a periodicidade varie amplamente: há treinamentos bimestrais, trimestrais, semestrais, anuais e outros sem frequência definida, mas em todos os municípios se capacita quando chegam novos profissionais, diante de alterações no calendário vacinal ou nas emergências epidemiológicas. Alguns municípios relatam iniciativas como boletins informativos semestrais, discussão de coberturas junto à prevalência de doenças e capacitação prolongada, chegando a três meses, para novos vacinadores. De maneira geral, o estudo aponta que, dentro das possibilidades locais, é fundamental construir um modelo de formação contínua, articulado entre APS e VS e que chegue sempre às equipes de campo.

No que se refere ao transporte para imunização, os resultados mostram realidades distintas. Em 55% dos municípios, há veículo para buscar vacinas; 10% contam com transporte para vacinação em escolas e instituições de longa permanência; outros 3% realizam vacinação no domicílio com transporte específico. Em 29% não há veículo próprio, mas todos os municípios informaram que a SMS é responsável por buscar a vacina. Quanto aos problemas no recebimento, 22% relatam ocorrência frequente, 23% pouco frequente, 45% rara e 10% muito frequente. O levantamento identificou causas como atrasos, falta de pessoal habilitado, dificuldade de acesso às regionais, não recebimento de lotes, insuficiência de doses e periodicidade irregular.

No armazenamento, os problemas ocorrem raramente para 78% dos municípios, mas há registros de dificuldades relacionadas à energia elétrica, manutenção insuficiente da rede de frios e equipamentos em quantidade inadequada. Na aplicação, 77% afirmam ter problemas raros, mas há relatos de falta de pessoal capacitado, sobrecarga da enfermagem, estruturas físicas insuficientes e centralização da vacinação, o que pode gerar dificuldades e atrasos no momento da vacinação.

Sistema de informações e registro- O registro das metas e coberturas vacinais aparece como um ponto sensível. Embora 97% dos municípios possuam algum tipo de registro, seja centralizado ou descentralizado, digital ou manual, ainda assim há problemas: 16% relatam dificuldades frequentes e 26%, pouco frequentes. Entre os principais entraves estão dificuldade de acesso ao sistema nacional, instabilidade ou inexistência de internet, sistemas locais que não se comunicam com o nacional, falta de computadores ou pessoal capacitado e registros manuais que exigem migração posterior, podendo gerar atrasos e algum risco de inconsistências no registro da cobertura.

A soma desses fatores interfere diretamente na análise das coberturas vacinais, que estão abaixo do ideal em várias vacinas. No caso da tríplice viral (caxumba, sarampo e rubéola), 58% dos municípios alcançam 95% ou mais, mas 36% ficam apenas acima de 70% e 6% estão entre 41% e 70%. Na pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e infecções por Haemophilus influenzae tipo b, como meningite e pneumonia), 36% atingem 95% ou mais, 58% ultrapassam 70% e 6% ficam entre 41% e 70%. Os dados da Covid-19 revelam cenário crítico: 55% dos municípios têm cobertura entre 0% e 24,9%, e apenas um município atinge entre 90% e 100%. Para o HPV, 42% superam 70% e 36% alcançam 90% ou mais, enquanto 19% ficam abaixo de 70%. Para os pesquisadores, tais dados devem ser aprofundados e mais bem avaliados, visto que os determinantes para o alcance das coberturas são muito diversos; o desenho deste estudo não permitiu essa análise pormenorizada.

O diagnóstico aponta dois grandes grupos de razões para o atraso vacinal. O primeiro diz respeito a fatores culturais e políticos, como hesitação vacinal, influência de movimentos antivacina, razões político-ideológicas e religiosas intensificadas durante a pandemia, percepção de que doenças preveníveis não representam risco e medo de efeitos colaterais, frequentemente alimentado por fake news. Em muitos casos, líderes comunitários e até profissionais de saúde ecoam discursos antivacina, reforçando barreiras à imunização.

O segundo conjunto envolve questões estruturais do próprio SUS, como ausência de campanhas eficazes conectando vacinas a doenças preveníveis, falta ou atraso de vacinas, estrutura física precária das unidades, instabilidade de energia, dificuldade de acesso geográfico, escassez de recursos humanos, insuficiente integração entre APS e VS, busca ativa incipiente, relação frágil entre serviços e comunidade, e sistemas de informação fragmentados. Tais elementos dificultam o aumento das coberturas e impedem mudanças culturais mais profundas sobre a importância da vacinação.

Experiências inovadoras: Apesar dos desafios, o estudo identificou iniciativas de mobilização em diversos municípios, como diálogo direto com a comunidade, uso de redes sociais, campanhas em rádio e TV, cartazes em unidades de saúde e escolas, e ações específicas de busca ativa. Em alguns locais, tais ações são pontuais e carecem de sistematização, mas representam caminhos importantes para engajar a população.

Também foram mapeadas experiências inovadoras, como parcerias com universidades, campanha Mobiliza SUS, atuação do Zé Gotinha, vacinação em escolas, creches, ILPIs, empresas, áreas rurais, sistema prisional, além de horários estendidos, ações como Corujão e Corujinha, vacinação em fins de semana, uso do Vacimóvel, apoio de influenciadores locais e veiculação de informações em ônibus. Muitas gestões também investiram na ampliação e melhoria das salas de vacina, capacitação para desmistificar tabus e ações casa a casa para resgatar faltosos.

Em uma das etapas do estudo, os municípios elaboraram, com o apoio do grupo PSPS, um conjunto de recomendações, destinadas a diferentes esferas de gestão. Entre as principais estão a necessidade de campanhas de comunicação mais sistemáticas conectando doenças e vacinas; combate efetivo às fake news; evitar atrasos ou insuficiências no envio de vacinas; ampliar a articulação entre APS, VS e demais pontos da rede; qualificar a busca ativa; fortalecer a estrutura física das unidades e da rede de frios; melhorar sistemas de informação; ampliar equipes de Saúde da Família; realizar oficinas de sensibilização e capacitação; abrir unidades em horários estendidos; incentivar o desempenho com indicadores e bonificações; e adquirir equipamentos modernos de conservação e veículos específicos para imunização; e, especialmente, ampliar o diálogo com a comunidade para construir uma nova cultura em defesa das vacinas, de forma a evitar a hesitação vacinal.

Diagnóstico das filas de consultas e exames especializados- Além da vacinação, o estudo dedicou-se a compreender a organização das consultas e exames especializados. O diagnóstico mostra que 54,8% dos municípios dispõem de um a dois serviços próprios de atenção especializada; 25,8% contam com mais de cinco serviços e 12,9% não possuem serviço próprio.

Especialidades como cardiologia e ortopedia são as mais ofertadas, presentes em 93,5% e 90,3% dos municípios, respectivamente. Endocrinologia, neurologia e dermatologia aparecem em cerca de 65%. Além disso, 21 municípios relataram outras especialidades disponíveis.

A oferta ocorre em arranjos variados, com 67,7% dos municípios concentrando serviços especializados em ambulatórios, policlínicas ou centros públicos de especialidade, 32,3% em hospitais públicos ou filantrópicos e 16,1% em Unidades Básicas de Saúde. A participação dos consórcios intermunicipais aparece em 74,2% dos municípios, enquanto 16,1% utilizam clínicas privadas contratadas. O estudo aponta que o acesso às consultas e exames ocorre principalmente via APS e outros serviços da rede própria ou conveniada (64,7%).

Os municípios também relataram dificuldades relacionadas à regulação, gestão das filas e articulação com a atenção especializada. Entre os principais problemas identificados estão dificuldade de acesso à alta complexidade (percebida por 27 dos 31 municípios), insuficiência de financiamento (25), baixa resolutividade da APS, regionalização incipiente, longos tempos de permanência na atenção especializada e falta ou fragilidade do matriciamento entre APS e AES.

O estudo destaca o potencial do Telessaúde como recurso essencial para ampliar o acesso à atenção especializada. Segundo os pesquisadores, há grande espaço para expansão dessa estratégia, e municípios já começam a sentir os efeitos positivos das medidas federais, como a entrega dos kits do programa “Agora tem especialistas”.

A partir dos diagnósticos apresentados, os pesquisadores pretendem propor a criação de comunidades de prática, envolvendo gestores, pesquisadores e técnicos. A ideia é fomentar interações contínuas em torno de projetos comuns, formando repertórios compartilhados e fortalecendo o engajamento mútuo. A expectativa é que essa rede colaborativa contribua para a melhoria das coberturas vacinais, da oferta de atenção especializada e da organização do SUS em cada município, reforçando a capacidade coletiva de enfrentar desafios estruturais e promover avanços sustentáveis na saúde pública mineira.