Andrew John George Simpson

 

 

Andrew Simpson

 

Foto: Acervo Fiocruz Minas

 

 

 

 

 

Um dos grandes filósofos atuais, especialista em Filosofia das Ciências, o francês Bruno Latour, ao ser questionado sobre os pressupostos do conhecimento científico, afirmou: “O objetivo da ciência não é produzir verdade indiscutíveis, mas discutíveis”.[1] Admite-se, portanto, que o saber científico produz verdades, mas que elas operam a partir de protocolos controlados e específicos, passíveis de serem debatidos. Isso significa que as verdades científicas podem ser provisórias e mutáveis, acompanhando as transformações do próprio campo de conhecimento.

 

Andrew John George Simpson é um cientista que tem dedicado sua vida à busca desses novos caminhos para a ciência, superando limites pré-estabelecidos e apresentando inovações para a sociedade e a comunidade científica. Nascido na cidade de Newcastle-under-Lyme, Inglaterra, ele foi criado no norte de Londres. Durante a juventude sempre apreciou a natureza, gostava de observar pássaros, pescar e estar ao ar livre. Por essa razão pensou em cursar biologia, mas foi aconselhado por um amigo da família a optar pela bioquímica, por ser uma área promissora para a pesquisa.

 

Antes de ir para a universidade ele foi selecionado por um programa internacional para atuar como professor voluntário na África, durante um ano. Ao longo de sua estadia em Essuatíni, país anteriormente chamado de Suazilândia, ele deparou-se com diversas situações de saúde pública causadas por doenças tropicais, dentre elas a esquistossomose. Ao observar tal contexto ele decidiu que atuaria nessa área de pesquisa, para tentar encontrar soluções que ajudassem as pessoas acometidas pelos agravos.[2]

 

Assim, em 1977 graduou-se em Bioquímica pela Universidade de Birminghan. Seguiu a carreira acadêmica e em 1980 concluiu o doutorado na área de Bioquímica de Shistosoma mansoni, no National Institute for Medical Research, em Londres, sendo orientado Ron Smithers,[3] cientista da área de esquistossomose e, coincidentemente, a mesma pessoa que havia sugerido que ele fizesse graduação em bioquímica. Em seguida foi para os Estados Unidos, realizar pós-doutorado no National Institute of Health, Washington, em Imunologia e Biologia Molecular do Shistosoma mansoni. No ano de 1983 retornou para a Inglaterra e foi contratado como pesquisador do National Institute for Medical Research.[4]

 

Segundo Simpson, a instituição britânica recebia vários pesquisadores de Minas Gerais, pelo fato de a esquistossomose ser um agravo muito estudado no estado. Dentre os visitantes constava Rodrigo Corrêa de Oliveira, pesquisador do Instituto René Rachou (IRR), com o qual Simpson firmou projetos e trocas de visitas de trabalho, sendo sua primeira passagem pelo IRR no ano de 1985. Com o sucesso das parcerias, Andrew obteve financiamento para trabalhar na instituição como bolsista convidado, em 1990.

 

O cientista permaneceu 5 anos na Fiocruz Minas. Segundo Simpson, ele não teve dificuldades de adaptação no IRR, pois além de já conhecer a instituição ele conta que o nível dos cientistas brasileiros era muito alto. O único problema era a carência de investimentos na ciência, mas que existia a vantagem de poder estudar as doenças in loco, suas variabilidades e interação com o hospedeiro. Inicialmente suas investigações se concentraram na esquistossomose, mas ele percebeu que a área de Biologia Molecular havia sido pouco explorada, de modo que passou a colaborar com diversos grupos e pesquisadores do IRR para disseminar técnicas ligadas a esse campo. Na instituição, além de Rodrigo Corrêa, ele trabalhou com Omar Carvalho, Álvaro Romanha, dentre outros, em áreas como a esquistossomose, doença de Chagas e leptospirose.[5]

 

Uma das principais técnicas introduzidas por ele na Fiocruz Minas foi aquela que identifica fragmentos de DNA dentro do genoma de qualquer organismo, sem necessidade de conhecimento prévio.[6] Em palestra ministrada no IRR sobre o assunto, o pesquisador Omar Carvalho indagou Simpson sobre a possibilidade de uso dessa técnica em “moluscos de Importância Epidemiológica e Biologia Molecular Aplicada ao Estudo dos Moluscos hospedeiros intermediários de S. mansoni, em decorrência das dificuldades de separação de algumas espécies do gênero Biomphalaria”. Mediante resposta positiva, teve início um “projeto pioneiro que possibilitou ampliar consideravelmente os conhecimentos sobre os hospedeiros intermediários de S. mansoni no Brasil”.[7] O Laboratório de Helmintoses Intestinais designou a então estudante Teofania Vidigal para realizar os experimentos, resultando em sua dissertação de mestrado e tese de doutorado, sob orientação de Andrew Simpson.[8]

 

A técnica PCR-RFLP (reação em cadeia da polimerase-polimorfismo de comprimento de fragmentos de restrição) mostrou-se fundamental para avanços na malacologia, e a equipe do Laboratório de Helmintoses Intestinais do IRR foi a primeira a utilizá-la no estudo dos moluscos do gênero Biomphalaria.[9] Dentre os diversos resultados alcançados, podemos citar: a separação das 10 espécies e uma subespécie de moluscos do gênero Biomphalaria registrados no Brasil; a distinção entre B. tenagophila de B. occidentalis; o estudo aprofundando de três espécies semelhantes (B. tenagophila, B. t. guaibensis e B. occidentalis); a separação entre B. straminea da B. kuhniana; a detecção, no Brasil, de B. cousini anteriormente confundida com B. Amazonica; o cruzamento entre B. amazonica e B. Cousini, confirmando a ocorrência de um molusco híbrido, etc.[10] Segundo Simpson, essa técnica é útil em várias áreas da biomedicina, com a vantagem de que os reagentes utilizados podem ser aplicados a diferentes organismos, facilitando questões práticas, como a importação de insumos.

 

De acordo com o cientista, sua experiência no IRR foi muito proveitosa e fundamental para os desdobramentos futuros de sua carreira. Na instituição ele orientou estudantes de mestrado e doutorado, em parceria com a UFMG, que depois se tornaram pesquisadores, como Cristiana Ferreira Alves Brito, Emmanuel Dias Neto, Teofania Vidigal. Alguns dos seus ex-orientandos continuaram a trabalhar com ele em outras instituições de pesquisa. Para Simpson, os pós-graduandos são a base e a energia de qualquer grupo científico, fundamentais para a pesquisa.

 

No ano de 1995 a filial de São Paulo do Instituto Ludwig ofereceu-lhe uma posição de pesquisador permanente, e ele aceitou, tendo em vista que teria maior estabilidade. No local ele realizava pesquisas sobre genética do câncer. Em seguida foi convidado para coordenar um grande programa sobre genoma, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Tratava-se do Projeto de Sequenciamento do Genoma da bactéria Xylella fastidiosa, responsável pela “doença do amarelinho”, que atingia as culturas de laranja. A meta foi concluída com sucesso em 2000, sendo “o primeiro genoma com mapeamento sequenciado no hemisfério sul e o primeiro genoma de um fitopatógeno a ser sequenciado em todo o mundo”.[11] O feito rendeu a capa da prestigiada revista científica Nature,[12] além de notícias na imprensa nacional e internacional. A importante publicação The Economist também destacou o resultado, escrevendo que o Brasil, além do país do futebol e do samba, também seria conhecido, daí em diante, como país da genômica.[13]

 

Diante do sucesso do projeto, Simpson foi demandado a coordenar o Programa Genoma Humano do Câncer, com investimento do Instituto Ludwig e da FAPESP, com o objetivo de identificar os genes expressos de tumores de câncer, o que colaborou para pesquisas que buscavam mapear o número de genes humanos. No final do ano de 2000 foi convidado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a assumir a coordenação do Projeto Genoma Nacional, integrado por 240 cientistas de 18 estados.[14] A tarefa inicial foi realizar o sequenciamento da bactéria Chromobacterium violaceum, encontrada no solo da região amazônica e com grande potencial farmacêutico. Para a execução da tarefa, Simpson recorreu à antiga técnica que ele usou no IRR, combinando-a com uma nova ideia, de forma a criar metodologia capaz de fechar as brechas no sequenciamento dos genomas, o que era muito difícil e caro na época. O cientista considera que, para além do resultado positivo e da nova técnica inventada, essa experiência foi muito importante pois a pesquisa operou de modo descentralizado, deixando como legado polos científicos regionais.

 

Em 2004, Andrew Simpson aceitou convite do Instituto Ludwig para ser Diretor Executivo e de Programas e Operações, em Nova York, e em 2007 tornando-se Diretor Científico da instituição. Ali ele ganhou muita experiência administrativa, que julgou bastante complexa e difícil de conciliar com a pesquisa. Sua estadia nos Estados Unidos durou quase uma década, quando, em 2012, ele decidiu retornar para o Brasil para embarcar em mais um projeto inovador.

 

A Orygen, empresa de pesquisa em biotecnologia, pertencente às farmacêuticas brasileiras Biolab e Eurofarma, convidou Andrew Simpson para dirigir a companhia. Para o cientista, que hoje atua como diretor científico da Orygen, o grande desafio da indústria farmacêutica brasileira é a produção de medicamentos nacionais que não sejam apenas genéricos. Um dos projetos coordenados por Simpson envolve pesquisa para a criação de um adjuvante estimulador do sistema imune, muito potente, o Hiltonol. Testes realizados em animais demonstraram que a substância tem o potencial de criar resistência a infecções por até duas semanas após a aplicação, o que seria muito útil em caso de pandemias, pois ofereceria, por exemplo, proteção para profissionais de saúde em momento de maior vulnerabilidade. Além desse potencial preventivo, testes preliminares mostraram que o Hiltonol é promissor na criação de vacinas. Testes em cães, realizados pelo pesquisador da Fiocruz Minas/UFMG, Ricardo Gazzinelli, demonstraram que, combinado a uma proteína, o adjuvante poderia servir de base para uma futura vacina contra a doença de Chagas.

 

De acordo com Simpson, a maior dificuldade até o momento é a fabricação do produto, que exige uma técnica delicada e pouco usual. Mas as empresas envolvidas no projeto criaram uma máquina capaz de superar o problema, de modo que a tecnologia já está ao alcance, faltando iniciar testes da Fase 3 e submeter os dados à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para Simpson seria um sonho realizado conseguir fabricar um produto brasileiro, com grande impacto na saúde das pessoas.

O cientista britânico, que também possui nacionalidade brasileira, é um grande defensor da ciência nacional. Atuando a tanto tempo no Brasil ele relata que assistiu grandes mudanças ao longo do tempo, e considera que alguns polos de pesquisa brasileiros possuem estrutura igual aos melhores laboratórios do mundo, configurando verdadeiros centros de excelência. Porém, segundo ele, permanecem os problemas burocráticos, sendo o maior deles a dificuldade para importação de insumos e equipamentos para as pesquisas. Na opinião de Simpson, o processo deveria ser descentralizado, permitindo que instituições sérias, credenciadas pelo governo, pudessem importar diretamente os materiais necessários. A demora na importação prejudica o ineditismo das investigações, pois como vários grupos espalhados pelo mundo investigam, simultaneamente, temas semelhantes, aqueles que saem na frente tendem a publicar os resultados primeiro. Tal conjuntura, de acordo com Simpson, prejudica os pesquisadores brasileiros que, para contornar esses empecilhos, acabam optando por trabalhar com temáticas menos competitivas.

 

Andrew Simpson é um dos maiores nomes da genômica mundial, com mais de 250 artigos publicados e diversas patentes registradas. Atuou como consultor de agências de pesquisa, como FAPESP, CNPq, FINEP e CAPES, além de integrante da Comissão Nacional de Biossegurança (CTNBio). O pesquisador é membro da Academia Brasileira de Ciências e recebeu diversos prêmios e honrarias ao longo de sua carreira, como: Mérito Científico e Tecnológico do Estado de São Paulo (2000), Ordem Nacional do Mérito Científico – Classe Grã-Cruz (2000) e Ordem do Rio Branco (2001), ambos do governo brasileiro. Segundo Andrew Simpson, nada disso seria possível sem a parceria de sua esposa Catarina Barbosa Cançado Simpson, que além do apoio familiar, sempre atuou como interlocutora em seus projetos e trabalhos, por também ser profissional da área de biologia.

 

Andrew Simpson continua a desafiar os limites da ciência, buscando novos modelos e conceitos para a construção do conhecimento científico. Ele mantém o mesmo encantamento diante do mundo de quando era menino e observava a natureza, imaginando os mistérios da vida natural. Como disse o grande físico Albert Einstein: “A imaginação é mais importante que o conhecimento, porque o conhecimento é limitado, ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro”.[15]

 

 

 

 

 

 

 

Projeto Memória. Trajetória histórica e científica do Instituto René Rachou – Fiocruz Minas.

 

Coordenadores: Dr. Roberto Sena Rocha.

 

Texto da historiadora: Natascha Stefania Carvalho De Ostos.

 

 

 

 

 

 

 

Agradecimentos: A Fiocruz Minas agradece ao professor Andrew Simpson pela entrevista. À Catarina Cançado Simpson pelos dados prestados e pela gentil recepção à equipe do Projeto Memória. Ao prof. Omar Carvalho, pela mediação da entrevista e informações complementares.

 

 

[1] LATOUR, Bruno. O objetivo da ciência não é produzir verdade indiscutíveis, mas discutíveis. Correio do Povo [entrevista concedida ao site Correio do Povo] 2017.

 

[2] SIMPSON, Andrew John George. Entrevista concedida à Natascha Ostos. Projeto Memória: Trajetória Histórica e Científica do Instituto René Rachou. Nova Lima/MG, 28 maio 2024.

 

[3] Pesquisador especialista em estudos da relação parasita-hospedeiro da esquistossomose, foi chefe do Departamento de Parasitologia do National Institute for Medical Research, em Mill Hill. In: Obituary – Ron Smithers. The British Society for Parasitology. Disponível em: <https://bsp.uk.net/Obituary—Ron-Smithers>.

 

[4] Andrew John George Simpson. Academia Brasileira de Ciências. Disponível em: <https://www.abc.org.br/membro/andrew-john-george-simpson/>.

 

[5] SIMPSON, A. J. G. et al. Dissociation of antibody responses during human schistosomiasis and evidence for enhancement of granuloma size by anti-carbohydrate IgM. Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, vol. 84, p. 808-814, 1990;

 

SIMPSON, A. J. G et al. The use of non-denaturing silver stained polyacrylamide gel analysis of polymerase chain reaction amplification products for the differential diagnosis of Leptospira interrogans infection. Diagnostic Microbiology and Infectious Disease, vol. 22, p. 343-348, 1995; SIMPSON, A. J. G.  et al. Random amplified polymorphic DNA analysis of Trypanosoma cruzi strains. Molecular and Biochemical Parasitology, vol. 60, p. 71-80, 1993.

 

[6] SIMPSON, Andrew John George. Entrevista concedida à Natascha Ostos. Projeto Memória. Ibidem.

 

[7] CARVALHO, Omar dos Santos et al (Orgs.). Schistosoma mansoni e esquistossomose: uma visão multidisciplinar. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2008, p. 314.

 

[8] Respectivamente: Estudo dos Planorbídeos Brasileiros Hospedeiros Intermediários do Schistosoma mansoni Através da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR): Variabilidade Genética e Identificação Específica. Fundação Oswaldo Cruz, 1995; Identificação específica e filogenia dos moluscos do gênero Biomphalaria através de técnicas de biologia molecular, Fundação Oswaldo Cruz, 2000.

 

[9] VIDIGAL, T. H. D. A.DIAS NETO, E.CARVALHO, O. SSIMPSON, A. J. G. . Biomphalaria glabrata: extensive genetic variation in Brazilian isolates revealed by randon amplifield polymorphic DNA analysis. Experimental Parasitology, vol. 79, p. 187-194, 1994; VIDIGAL, T. H. D. A.DIAS NETO, E.SIMPSON, A. J. G.; CARVALHO, O. S.. Uma abordagem de reação em cadeia da polimerase de baixa estringência para a identificação de Biomphalaria glabrata e B. tenagophila, caracóis hospedeiros intermediários do Schistosoma mansoni no Brasil. Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, n. 91, p. 739-744, 1996.

 

[10] CARVALHO, Omar Santos de. Apontamentos sobre uso da técnica PCR-RFLP na Malacologia, ago. 2024.

 

[11] Andrew John George Simpson. Academia Brasileira de Ciências. Ibidem.

 

[12] SIMPSON, A., REINACH, F., ARRUDA, P. et al. The genome sequence of the plant pathogen Xylella fastidiosaNature, n. 406, p. 151–157, 2000.

 

[13] Fruits of co-operation. The Economist, 20 jul. 2000. Disponível em:

 

<https://www.economist.com/science-and-technology/2000/07/20/fruits-of-co-operation>.

[14] MARQUES, Fabrício. Além das fronteiras. Pesquisa FAPESP, n. 315, maio 2022. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/alem-das-fronteiras/>.

[15] What Life Means to Einstein: An Interview by George Sylvester Viereck. The Saturday Evening Post,

 

26 out. 1929, p. 17, Indianapolis, EUA.