Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas e Direitos Humanos em Saúde e Saneamento completa 10 anos com reflexão sobre avanços e retrocessos no setor

O grupo Políticas Públicas e Direitos Humanos em Saúde e Saneamento (PPDH), da Fiocruz Minas, comemora, em outubro de 2025, 10 anos de atuação. Ao fazer um balanço da última década, o pesquisador Léo Heller, à frente do grupo desde a sua fundação, avalia que o país registrou poucos avanços e mais retrocessos em relação ao acesso à água e ao saneamento, especialmente após a aprovação alteração do Marco Legal nacional, em 2020. “A mudança do marco acelerou um processo de privatização dos serviços de água e esgoto. Antes de 2020, cerca de 10% da população brasileira era atendida por empresas privadas. Hoje, apenas cinco anos após, esse percentual se aproxima de 50%”, afirma.

Segundo o pesquisador, o movimento em defesa da privatização teve início no governo de Michel Temer, em 2016, que chegou a editar uma Medida Provisória (MP) com essa finalidade. A MP não chegou a ser votada, mas foi retomada a partir de 2019, já na gestão de Jair Bolsonaro, culminando na aprovação da nova lei, em julho de 2020, com o maciço apoio dos parlamentares. “A narrativa dominante era a de que seria necessário buscar recursos no setor privado para ampliar o saneamento”, destaca.

De acordo com o pesquisador, a nova legislação induz a privatização por diversos meios. Um deles é o incentivo à regionalização, que permite que diversos municípios se juntem em blocos regionais para licitar o serviço. “A ideia da regionalização seria possibilitar que regiões mais rentáveis subsidiassem as menos atrativas. Hoje, há uma concentração de muitos negócios nas mãos de poucos. São 5 empresas respondendo por mais de 90% da população atendida por prestadores privados”, explica. “No Piauí, por exemplo, a legislação estadual considerou todo o território como uma única região, o que apenas facilita a expansão do setor privado”, diz.

Heller destaca que, até mesmo quando a licitação por blocos pode parecer lucrativa para o governo, é preciso avaliar os impactos para a população. É o caso do estado de Alagoas, que foi dividido em três blocos regionais. A empresa vencedora do leilão licitatório para a concessão dos serviços no bloco A, que engloba Maceió e região metropolitana, fez um lance de R$ 2 bilhões para a outorga dos serviços, 13.000% acima do valor previsto no edital de licitação, uma proposta considerada bastante atrativa pelo governo alagoano. “O governo comemorou o leilão, mas quem pagará essa conta será a população, por meio de tarifas mais altas. As empresas solicitam revisões tarifárias para cobrir o valor das outorgas, e o resultado é o repasse do custo ao consumidor. Ou seja, na vida real, o mundo é diferente. As empresas usam todo e qualquer argumento para aumentar suas receitas”, afirma.

Outro ponto preocupante, conforme o pesquisador, é a fiscalização da prestação dos serviços. Segundo Heller, há limites na regulação para conter os efeitos da privatização. “A legislação coloca um papel central nas mãos da agência reguladora, que, se não estiver preparada, com profissionais com competência técnica, pode ser um grande problema. Muitas vezes, a agência acaba refém do argumento da sustentabilidade financeira do prestador de serviço”, observa.

Avanços- Apesar do cenário de desafios, Heller aponta avanços importantes, como a publicação do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) e a elaboração do Programa Nacional de Saneamento Indígena (PNSI), que contou com a participação do PPDH e está em consulta pública. “Esses planos colocam em foco populações historicamente invisibilizadas, como a rural e a indígena, e são instrumentos essenciais para que a sociedade civil possa cobrar ações do Estado”, afirma.

O pesquisador destaca ainda a relevância de órgãos como a Funasa e o Ministério das Cidades, especialmente no apoio a políticas voltadas ao saneamento rural e indígena. Para ele, o desafio é transformar os planos em ações efetivas. “Não basta ter bons planos e programas. É preciso garantir sua implementação”, reforça.

Na avaliação de Heller, o Marco Legal alterado em 2020 reduziu o protagonismo dos municípios, contrariando o princípio da descentralização. “O saneamento é um tema local, e tirar o papel central dos municípios vai na contramão do que seria desejável”, conclui.

Ao longo de sua trajetória, o grupo Políticas Públicas e Direitos Humanos em Saúde e Saneamento tem contribuído para o debate público, a produção científica e a formação de pesquisadores comprometidos com a garantia do direito à água e ao saneamento para todos. Um livro com análises sobre o processo de privatização no Brasil e suas conexões internacionais será lançado em breve, consolidando uma década de pesquisas dedicadas a compreender e transformar a realidade do setor.