Fiocruz Minas chega aos 70 anos fortalecendo o diálogo entre ciência e sociedade

A Fiocruz Minas, também conhecida como Instituto René Rachou, completa, no dia 26 de agosto, 70 anos. São sete décadas de história marcada por muitas transformações, que permitiram à unidade acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade, de forma a responder aos novos desafios em saúde enfrentados pela população. Não por acaso, temas contemporâneos, como violência contra as mulheres, os impactos dos desastres da mineração na saúde, envelhecimento e tantos outros, passaram a integrar a agenda de pesquisa da unidade, mas isso sem que a instituição perdesse de vista a temática central que lhe deu origem, que são as doenças infecciosas e parasitárias. Seja diante de ameaças recentes, como a Covid-19, seja na luta histórica contra doenças negligenciadas, a Fiocruz Minas segue no enfrentamento dos mais diversos agravos, buscando soluções que melhorem a vida das pessoas, especialmente das populações mais vulneráveis.

“A Fiocruz Minas já nasceu com essa sensibilidade de que saúde não é apenas a ausência de doenças, mas que há vários fatores envolvidos. Ainda nos primeiros anos da instituição, muitos pesquisadores realizavam trabalhos de campo e constatavam, por exemplo, que a realidade das condições habitacionais levava à proliferação dos barbeiros nas casas das pessoas; o desmatamento agravava a transmissão de doenças como leishmanioses; a falta de saneamento básico tinha relação com a esquistossomose. No contato diário com a população, eles percebiam que era necessário entender as doenças, mas que isso não era suficiente para combater os agravos. Então, desde os seus primórdios, o IRR tem essa sensibilidade de olhar não apenas para a doença, mas também para as questões sociais”, destaca a historiadora Natascha Ostos, que integra Núcleo de Memória Institucional da Fiocruz Minas.

Segundo Natascha, a Fiocruz Minas foi criada em um contexto histórico que visava ao desenvolvimento econômico e, para isso, era necessário combater as doenças associadas à pobreza. O país havia avançado no controle de alguns agravos, como peste bubônica, varíola, febre amarela, mas, na década de 1950, emergiram outras endemias, como esquistossomose, leishmanioses e doença de Chagas. O médico mineiro Amilcar Martins pleiteou, então, a construção de uma instituição de pesquisa voltada para o enfrentamento desses agravos, em Belo Horizonte. Porém, quando o prédio ficou pronto, em 1955, negociações com o então Ministério da Educação e Saúde definiram que a construção passaria a abrigar o Instituto de Malariologia, especializado no estudo da malária, que, até então, funcionava no Rio de Janeiro, sob a direção do pesquisador René Guimarães Rachou.

Essa determinação durou pouco mais de seis meses, pois, em março de 1956, foi criado o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu), entidade composta de vários órgãos, dentre eles o Instituto Nacional de Endemias Rurais (INERu), sob coordenação de Amilcar Martins. Com essa mudança, o Instituto de Malariologia ficava subordinado ao INERu e, a partir de então, passaria a ser chamado de Centro de Pesquisas de Belo Horizonte, realizando estudos não apenas sobre a malária, mas também voltados para outras doenças infecciosas. Essa denominação permaneceu até 1966, quando, em homenagem ao seu primeiro diretor, falecido três anos antes, a unidade recebeu o nome de Centro de Pesquisas René Rachou e, em 2016, virou Instituto René Rachou (IRR).

“A estrutura física do IRR e de recursos humanos remonta ao ano de 1955 e, por isso, mesmo com as mudanças de nome e de administração, podemos afirmar que a unidade foi fundada em 1955”, explica a historiadora. De fato, ainda neste primeiro ano de atuação, foram criados vários laboratórios, como o de Entomologia Médica, Sorologia, Química e inseticidas, que trabalhariam nos anos seguintes com diferentes agravos. Além disso, pesquisadores importantes integrariam a instituição já nesse início, conforme conta o pesquisador Naftale Katz: “Houve uma seleção muito boa dos cientistas mais proeminentes da época para fazer parte da instituição. E acho que esse grupo aceitou e veio trabalhar por causa da liderança do professor Amilcar Martins, que fez esses convites. E esses pesquisadores formaram novas pessoas, desenvolveram mais os laboratórios, trouxeram outros profissionais… Então, a meu ver, todo o sucesso conquistado pelo IRR se deve muito a isso”, afirma o pesquisador que se aposentou em 2020, após 55 anos de trabalho na instituição, onde atuou como diretor em dois momentos diferentes: entre 1971 e 1972 e de 1985 a 1997.

 

Em 1970, o então Centro de Pesquisas René Rachou teria um dos mais importantes marcos institucionais de sua história: a integração à Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) que, recém-criada por meio de um decreto, passava a incorporar diferentes órgãos, incluindo o INERu, do qual o Centro de Pesquisas René Rachou fazia parte. “Eu fui diretor nessa época, em plena ditadura militar. A Fiocruz, como um todo, e nós especialmente, não tínhamos orçamento. Então, havia muita dificuldade porque, além de não ter orçamento, não havia independência administrativa nenhuma”, lembra Naftale.

A historiadora Natascha Ostos explica que a necessidade de enfrentar as doenças considerando os aspectos sociais, questão já percebida desde 1955, foi ganhando ainda mais clareza e ênfase dentro da unidade, devido a vários processos históricos que iam se desencadeando a partir de meados da década de 1970 e no decorrer dos anos 1980. É um período de recrudescimento de vários movimentos sociais, como o estudantil, o sindical, o feminista, que fizeram pressão no poder público, colaborando para o fim da ditadura e para a elaboração da Constituição cidadã, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). Paralelamente, pesquisas geravam dados estratificados relacionados a sexo, raça/etnia, idade, classe, desigualdade social, saúde mental e, a partir dessas informações, tem-se a necessidade de políticas públicas.

“O IRR foi, então, incorporando esses temas, construídos socialmente, à medida que a sociedade reivindicava. Além disso, as pessoas que trabalham na instituição não estão isoladas, elas fazem parte dessa sociedade e passam a ficar sensíveis a essas questões porque também estão vivendo essas experiências e trazem isso para dentro da instituição. É um pêndulo que vai entre os movimentos e a própria equipe de profissionais. Esses pontos foram então adentrando as linhas de pesquisa da instituição”, afirma Natascha.

Com mais de 40 anos de trabalho realizado com comunidades afetadas pela doença de Chagas, a pesquisadora Lileia Diotaiuti tem uma trajetória que exemplifica bem essa sensibilidade dos profissionais da instituição mencionada pela historiadora. Lileia conta que decidiu trabalhar com a doença em 1979, depois de assistir a uma apresentação do pesquisador João Carlos Pinto Dias, que atuava no IRR.  “Eu estava fazendo uma especialização em zoologia e assisti a uma aula dele.  Sempre tive muita ligação com a biologia, mas também tinha uma preocupação muito grande com as questões políticas e sociais. E aí, quando eu ouvi o João Carlos falando, eu vi a possibilidade de juntar os meus dois desafios, que era a biologia com a parte social e política, porque a doença de Chagas, sendo parasitária, tem um componente social muito importante”, conta a pesquisadora que, juntamente com João Carlos Pinto Dias, atuou no Posto Avançado Emanuel Dias, no município de Bambuí, onde foi desenvolvido um trabalho de enfrentamento da doença com a participação da população.

Ao longo de sua carreira científica, para além dos estudos realizados em laboratório, Lileia vem atuando bem próxima das comunidades afetadas e também das equipes responsáveis pelo controle de barbeiros. Segundo a pesquisadora, essa convivência ajudou a direcionar o trabalho que é desenvolvido por ela na instituição. “Sempre que posso eu estou em campo, e a coisa mais rica da minha experiência é poder entrar na casa das pessoas e conviver com elas. E, além disso, ter trabalhado, durante boa parte da minha trajetória, com os agentes de saúde da antiga Sucam [Superintendência de Campanhas de Saúde Pública] e da Funasa [Fundação Nacional de Saúde], que sempre me ensinaram muito.  Essa mistura moldou meu olhar e minha forma de trabalhar”, diz.

Mudanças- Com a redemocratização, em 1985, o sanitarista Sérgio Arouca assume a Presidência da Fiocruz, no Rio de Janeiro. Naftale Katz, que voltava à direção da Fiocruz Minas, conta que este foi um período de reestruturação da Fundação e de todas as suas unidades. “Tudo mudou na gestão Sérgio Arouca”, destaca o pesquisador, lembrando que, do ponto de vista financeiro, a situação começou a melhorar ainda na gestão de Vinícius Fonseca na Presidência. “Mas, com o Arouca, houve uma mudança em termos de participação das pessoas nas decisões. Arouca cria o Conselho Deliberativo, permitindo que diretores de todas as unidades pudessem indicar as prioridades. O orçamento nunca tinha sido discutido antes e começou a ser discutido”, diz. Segundo ele, a partir desse período, foi possível melhorar as instalações da Fiocruz Minas, ampliando os espaços e oferecendo melhores condições de trabalho, proporcionando perspectivas de ampliar a atuação.

Outro aspecto que permitiu à unidade ampliar seu leque de ações foi estar atenta às mudanças que ocorriam na forma de fazer pesquisa. Diretor da unidade em dois períodos diferentes, entre 1997 e 2005 e de 2021 a 2025, Roberto Sena Rocha, atualmente coordenador do Núcleo de Memória Institucional, destaca que a introdução de métodos científicos mais modernos na instituição, como a imunologia celular, a biologia molecular e a epidemiologia analítica, tiveram papel decisivo na trajetória institucional. “Com essas abordagens, um grupo de pesquisa não estuda mais uma única doença. Você passa a ter um método que possibilita estudar diferentes agravos”, explica. “Nesse sentido, os pesquisadores Giovanni Gazzinelli, que implementou a imunologia celular no IRR, Andrew Simpson [Andrew John George Simpson], que introduziu a biologia molecular, e Maria Fernanda Furtado de Lima e Costa foram muito importantes para a instituição. Temos vários outros nomes de relevância, mas esses três trouxeram não apenas um tema, mas métodos diferentes. A essas novas metodologias também podemos atribuir a facilidade da unidade em dar respostas para as situações que surgem, como as emergências sanitárias”, ressalta Roberto Sena, que, em 2026, completa 50 anos de Fiocruz.

Um dos primeiros laboratórios da unidade a trabalhar com biologia molecular foi o de Helmintoses Intestinais (atualmente Helmintologia e Malacologia Médica). O pesquisador Omar dos Santos Carvalho, que está na Fiocruz Minas desde 1970, conta que, ao assistir a uma apresentação de Andrew Simpson, perguntou se aquele método poderia ser usado para classificação dos caramujos hospedeiros Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose. “Eu disse a ele: não entendi quase nada do que você apresentou, porque, aqui na instituição e em Belo Horizonte, pouca gente entende desse método, mas será que essa metodologia poderia ser útil para classificarmos os caramujos hospedeiros do Schistosoma mansoni? Ele pensou um pouco e respondeu que sim. Então, fomos um dos primeiros laboratórios a implementar o PCR e, daí, tivemos a primeira dissertação, a primeira tese e vários outros estudos que se seguiram. E até hoje funciona muito bem”, afirma.

Segundo o pesquisador, o novo método permitiu que, alguns anos depois, a unidade participasse de um estudo internacional visando ao sequenciamento do genoma do Biomphalaria glabrata, espécie de caramujo que é o principal e mais importante hospedeiro do Schistosoma mansoni. “Os moluscos usados no sequenciamento foram capturados, classificados e identificados pelo nosso laboratório e, depois, levados para os Estados Unidos, onde foi feito o sequenciamento”, relembra o pesquisador.  Também por meio dessa metodologia, foi possível identificar, pela primeira vez na América do Sul, o parasito Angiostrongylus cantonensis, agente etiológico da meningoencefalite eosinofílica, detectado no município de Cariacica, Espírito Santo. Importante ressaltar que a aplicação dos novos métodos na Fiocruz Minas também se destacou em pesquisas sobre leishmanioses, arboviroses e outros agravos, ampliando o alcance e a precisão dos estudos.

Dentro da perspectiva de acompanhar as mudanças do universo científico e trazê-las para a instituição, Roberto Sena destaca, ainda, a criação do Comitê de Ética da unidade, que permitiu dar mais celeridade aos projetos de pesquisa do IRR, e do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), focado em disseminar a cultura da inovação.  Ele também ressalta a implementação do Serviço de Gestão da Qualidade, Biossegurança e Ambiente (SQBA). A coordenadora de Desenvolvimento Institucional, Ivanete Milagres, que ingressou na Fiocruz Minas em 2002 com a missão de implementar o Sistema de Gestão da Qualidade nos laboratórios de referência, destaca que o apoio da alta direção foi crucial nesse processo. “Um programa de gestão da qualidade, que exige mudança de cultura, precisa do comprometimento da alta administração para acontecer e isso fez a diferença aqui. Também realizamos um trabalho intenso de conscientização, investindo fortemente em treinamentos e capacitações, o que levou ao envolvimento das pessoas”, diz.

Segundo Ivanete, o apoio da direção, aliado ao trabalho de conscientização e à formação de redes com o grupo da qualidade, contribuiu para o reconhecimento da importância do sistema de gestão da qualidade em toda a unidade, especialmente em projetos voltados ao desenvolvimento tecnológico. “As pessoas compreenderam que a gestão da qualidade garante a confiabilidade dos resultados e assegura que os dados gerados sejam devidamente registrados e descritos, o que é fundamental para dar continuidade às pesquisas e atrair investimentos”, explica.

Primeira diretora- Em uma sociedade em que os cargos de comando costumam ser ocupados por homens brancos, marco importante na história da Fiocruz Minas foi a eleição da pesquisadora Zélia Profeta para o cargo de diretora instituição, em 2012. Foi a primeira mulher e a primeira pessoa negra a assumir a direção da unidade. “Sem dúvida, foi um espaço que conquistei ao longo dos anos, no decorrer de minha trajetória institucional”, afirma Zélia, que entrou para IRR em 1986 como técnica de laboratório e, até chegar à direção, esteve em diversas funções de liderança, exercidas sempre com a consciência de que romper barreiras requer firmeza e resiliência. “O machismo é uma estrutura política que define a forma como as pessoas agem. Vence-se com trabalho; enfrentando, persistindo”, diz.

À frente da unidade até 2021, Zélia destaca que a articulação com diferentes setores da sociedade é outro ponto crucial para a longevidade da instituição. “Buscamos uma aproximação com a Assembleia Legislativa de Minas Gerais [ALMG], com a Fundação de Amparo à Pesquisa [Fapemig], com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência [SBPC], com a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e secretarias municipais de saúde”, diz. “Com essa articulação, conseguimos contribuir com soluções em muitos momentos difíceis para a ciência e para a saúde. Pudemos dar respostas para questões sérias, como a epidemia de febre amarela, em 2016, e a pandemia de Covid-19, em que atuamos em diferentes frentes. Também ajudamos a evitar o desmonte da Fapemig e, juntamente com a SBPC-MG e a presidência da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da ALMG, fundamos o Inteligência Coletiva, um movimento que reuniu professores e pesquisadores de várias instituições de ensino, visando pensar como fortalecer a ciência e a inovação no estado de Minas Gerais”, conta Zélia, lembrando que a vocação para o diálogo é um dos pontos fortes da instituição.

Também decisiva para a ampliar a atuação do IRR foi a criação dos dois programas de pós-graduação -o Ciências da Saúde, em 2002, e o Saúde Coletiva, em 2012, que formalizou as atividades de ensino realizadas na instituição desde os seus primeiros anos. Lá atrás, entre 1956 e 1958, o então Centro de Pesquisas de Belo Horizonte já oferecia cursos para médicos e chefes de serviços sanitários de todo o país. Na década de 1960, parcerias com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) possibilitaram a orientação conjunta de alunos e o uso compartilhado de laboratórios, fortalecendo teses, dissertações e a formação de mestres e doutores. Já no fim da década de 1990, quando os programas de pós-graduação do país passaram por reformulações, os pesquisadores do IRR foram incorporados como professores e orientadores em alguns cursos de mestrado e doutorado de outras unidades da Fiocruz. Assim, ao criar seus próprios programas, a unidade oficializa uma prática histórica e institucionaliza as diversas demandas em saúde surgidas com o passar dos anos. Além disso, com a criação da Pós-Graduação em Saúde Coletiva, que, até então, era uma área de concentração do Ciências da Saúde, reconhece-se a importância de temas que ultrapassam o aspecto biomédico.

Desde a implementação dos cursos de pós-graduação, o IRR formou 417 mestres e 301 doutores. Um levantamento recente realizado pela Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz mostrou o impacto da formação na vida dos estudantes formados pela Fundação. O estudo incluiu egressos que passaram pela instituição entre os anos de 2013 e 2024.

Do Programa de Ciências da Saúde, 191 egressos responderam ao estudo, sendo 83 mestres e 108 doutores. O perfil revela que 77% são mulheres, a maioria jovem, ingressando na pós-graduação logo após a graduação, com forte presença de formados em ciências biológicas (50,8%) e biomedicina (26,7%). “Nosso curso de pós-graduação é um curso hands-on, em que o aluno precisa estar no laboratório, realizando experimentos. Isso pode explicar, em parte, o perfil de estudantes jovens. Atraímos estudantes que têm foco na pesquisa e emendam a graduação com a pós-graduação”, explica Cristina Toscano, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde.

Os dados mostram que o impacto profissional é significativo: 62,6% relataram aumento salarial após a pós-graduação, sendo que 36% tiveram incremento entre 26% e 50% em seus rendimentos. Antes do curso, 53% não tinham emprego, número que caiu para 30% após a conclusão, demonstrando a capacidade da pós-graduação de inserir profissionais no mercado de trabalho, principalmente em instituições públicas de pesquisa, universidades e órgãos governamentais. “O aumento salarial, a inserção no mercado e a continuidade na pesquisa mostram que estamos cumprindo nossa missão”, destaca Cristina.

O ponto de atenção se volta para a diversidade, já que o levantamento revelou que, em relação à cor da pele, 65% dos egressos se declararam brancos, 28,3% pardos, 5,2% pretos, 1,1% amarelos e 0,5% indígenas. Nenhum egresso que respondeu ao questionário é pessoa com deficiência. Para a coordenadora, é preciso refletir sobre essa dificuldade em atrair esse público, mesmo com cotas reservadas. “Talvez os obstáculos de inclusão ainda sejam muito grandes no país, o que impede que mais pessoas com deficiência cheguem ao mestrado e doutorado. Também precisamos fortalecer as ações afirmativas, de modo a termos em nossos quadros maior diversidade em relação à etnia e cor da pele”, avalia.

Saúde coletiva- Do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 103 egressos responderam ao questionário, sendo 46 mestres e 57 doutores. A maioria é composta por mulheres (82,5%), em faixas etárias mais altas em comparação ao Ciências da Saúde, entre 31 e 40 anos, refletindo o perfil de profissionais que já atuam no serviço público e buscam a pós-graduação para melhoria da qualificação.

“Nosso público é vinculado aos serviços, sendo composto por profissionais de saúde que atuam em secretarias municipais e estaduais de saúde ou de assistência social e outros órgãos vinculados ao SUS”, explica Paula Bevilacqua, coordenadora do Programa de Saúde Coletiva. Ela observa que muitos egressos do mestrado continuam no doutorado, fortalecendo a produção científica no campo da saúde coletiva.

Também no Saúde Coletiva, a conclusão do curso se mostra um diferencial: 65% dos egressos relataram aumento salarial após a pós-graduação, sendo que cerca de 62% apontaram aumentos de até 25%, e 11% acima de 75%. Além disso, há um aumento de vínculos menos frágeis após o curso, reduzindo a informalidade no mercado de trabalho para esses profissionais. Os dados também revelam que mais de 62% dos egressos passaram a exercer atividades diretamente relacionadas ao curso concluído, ampliando o corpo técnico qualificado em saúde coletiva no país, o que se reflete em melhorias para os serviços públicos de saúde.

Como ponto de atenção, Paula também destaca a necessidade de diversificação no perfil dos estudantes, já que, entre os egressos, 64,1% são brancos, 27,2% pardos, 7,8% pretos e 1% amarelo. “Investir na conformação de um corpo discente diverso é fundamental, pois amplia os diálogos e percepções sobre os problemas de pesquisa. Por isso, estamos trabalhando para divulgar mais os nossos editais de seleção, para atrair candidatos com diferentes vivências”, afirma.

Para os próximos 70- A necessidade de fortalecer a inclusão e a diversidade na instituição também é apontada pela diretora da Fiocruz Minas, Cristiana Brito, como uma das pautas prioritárias na unidade. Segundo ela, embora se tenha avançado em muitos aspectos, é preciso reconhecer que ainda há muito a fazer. “A gente defende a redução das desigualdades na sociedade, mas ainda não conseguiu realizar isso plenamente dentro da instituição. Precisamos ampliar a presença de pessoas negras, indígenas, com deficiência, e valorizar diferentes perfis”, avalia Cristiana, com o olhar de quem está na instituição há quase 40 anos e percorreu todas as etapas da formação acadêmica dentro da instituição: iniciação científica, mestrado, doutorado até chegar à principal liderança. Essa vivência múltipla, como estudante, pesquisadora e agora gestora, marca sua visão sobre os desafios e oportunidades que se desenham para o futuro. “Eu entrei na instituição há 37 anos. Mais da metade dos 70 anos da instituição eu vivi aqui. Isso me dá uma compreensão ampla sobre o papel que a Fiocruz pode ter na vida das pessoas”, afirma.

Para os próximos anos, a diretora destaca a importância de se aproximar cada vez mais da população, reconhecer seus saberes e incorporar essas vozes ao fazer científico. “Ao longo dos anos, viemos ampliando nossa atuação junto aos territórios e é isso que precisamos fortalecer. Não podemos tratar uma doença como se ela estivesse fora do território. Precisamos entender o ambiente, ouvir a população, valorizar seus saberes e incorporá-los ao nosso fazer científico. Isso inclui também o diálogo com os movimentos sociais e a integração entre ensino, pesquisa e extensão. A Fiocruz Minas precisa estar conectada às demandas reais das comunidades, promovendo trocas de saberes e construindo soluções conjuntas”, destaca.

Cristiana reforça ainda o compromisso da unidade com o Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da produção de conhecimento, tecnologias e formação de profissionais. Nesse sentido, segundo a diretora, a Fiocruz Minas também deve responder a desafios globais, como mudanças climáticas, migrações e circulação de vetores. Com essa perspectiva, o fortalecimento da abordagem “Uma Só Saúde”, que integra saúde humana, animal e ambiental, torna-se essencial.

A diretora também ressalta a necessidade de valorizar as áreas da gestão e as diferentes funções, como parte fundamental da atuação da Fiocruz, ao lado do ensino e da pesquisa. Para a técnica em saúde pública Fernanda Rezende, que durante muitos anos representou a categoria de técnicos no Conselho Deliberativo na unidade, essa valorização das diversas atividades que existem na instituição é fundamental para que todas as pessoas que contribuem para o sucesso da unidade se sintam reconhecidas.

“Nesse sentido, tivemos avanços importantes nos últimos anos, a partir da criação de um movimento para valorização dos técnicos. Essa iniciativa contribuiu para a elaboração do programa Conecta, que passou a contemplar ações voltadas à valorização, visibilidade, capacitação e melhor aproveitamento das competências técnicas, muitas vezes subaproveitadas dentro da lógica tradicional dos grupos de pesquisa”, conta. Segundo Fernanda, essa reconfiguração institucional permitiu que técnicos passassem a atuar de forma mais ampla, inclusive em funções de apoio gerencial e coordenação de serviços estratégicos.

Ainda de acordo com a técnica, há aspectos que precisam ser melhorados, mas ainda que desafios persistam, há um consenso de que os avanços já conquistados representam um importante passo rumo a uma Fiocruz Minas mais democrática e atenta ao potencial de todos os seus profissionais.

A diretora Cristiana Brito ressalta que sua proposta para os próximos anos é uma gestão inovadora centrada nas pessoas, que fortaleça o compromisso da Fiocruz Minas com a sociedade, a ciência e os desafios contemporâneos. “A valorização das pessoas, tanto dentro quanto fora da instituição, deve ser um princípio orientador para os próximos anos. Queremos uma Fiocruz Minas cada vez mais aberta, conectada com a sociedade, plural e comprometida com os desafios do nosso tempo”, diz.